O Papa dedicou o último encontro da sua viagem à Grécia aos jovens. Esteve com eles na manhã de 6 de dezembro, na escola São Dionísio das irmãs Ursulinas em Maroussi, na periferia de Atenas. Eis o seu discurso, proferido depois da saudação do representante do ministério da juventude e dos testemunhos de uma jovem filipina, de uma jovem de Tinos e de um jovem sírio.
Queridos irmãos e irmãs kaliméra sas [bom dia]!
Agradeço-vos por terdes vindo aqui, muitos de vós de lugares distantes: efcharistó [obrigado]! Estou contente por vos encontrar já na reta final da minha visita à Grécia; e aproveito a ocasião para renovar o meu agradecimento pelo acolhimento e todo o trabalho realizado para a organizar: efcharistó!
Impressionaram-me os vossos estupendos testemunhos. Já os tinha lido e agora retomo convosco algumas passagens.
Katerina, falaste-nos das tuas frequentes dúvidas de fé. Quero dizer a ti e a todos vós: não tenhais medo das dúvidas, porque não são faltas de fé. Não tenhais medo das dúvidas. Antes pelo contrário, as dúvidas são «vitaminas da fé»: ajudam a robustecê-la, tornando-a mais forte, ou seja, mais consciente, fazem-na crescer, tornam-na mais livre, mais madura. Tornam-na mais disposta a pôr-se a caminho, a seguir em frente com humildade, dia após dia. Ora a fé é precisamente isto: um caminho quotidiano com Jesus, que nos leva pela mão, acompanha, encoraja e, quando caímos, levanta-nos. Nunca se amedronta. É como uma história de amor, onde se avança sempre juntos, dia a dia; e contudo sobrevêm, como numa história de amor, momentos em que há necessidade de se interrogar, de superar as dúvidas. E é útil, faz subir o nível do relacionamento. Isto é muito importante para vós, porque não podeis trilhar o caminho da fé às cegas, mas dialogai com Deus, com a própria consciência e com os outros.
Gostava de destacar, na experiência de Katerina, um ponto importante. Às vezes, perante as incompreensões ou as dificuldades da vida, nos momentos de solidão ou de desilusão, pode bater à porta do coração esta dúvida: «Talvez seja eu que não me comporto bem... talvez esteja errado, esteja errada». Amigos, é uma tentação que se deve afastar. O diabo coloca-nos esta dúvida no coração, para nos precipitar na tristeza. Que fazer? Que fazer, quando uma dúvida assim se torna sufocante e não deixa em paz, quando se perde a confiança e fica-se sem saber donde começar? É preciso reencontrar o ponto de partida. E qual é? Para o compreender, escutemos a vossa grande cultura clássica. Sabeis qual foi o ponto de partida não só da filosofia, mas também da arte, da cultura, da ciência? Sabeis qual foi? Tudo começou por uma fulguração, uma descoberta, traduzida por uma palavra magnífica: thaumàzein — maravilhar-se. É o espanto. Assim começou a filosofia: da maravilha perante as coisas que são, a nossa existência, a harmonia da criação, o mistério da vida.
Mas o espanto não constitui apenas o início da filosofia; é também o início da nossa fé. Várias vezes nos diz o Evangelho que, quando alguém encontrava Jesus, ficava maravilhado, sentia espanto. No encontro com Deus, existe sempre o espanto: é o início do diálogo com Deus. E isto é assim, porque ter fé não consiste primariamente num conjunto de coisas que devemos acreditar e de preceitos que temos de cumprir. O âmago da fé não é uma ideia, não é uma moral; o âmago da fé é uma realidade, uma realidade belíssima que não depende de nós e que nos deixa de boca aberta: somos filhos amados de Deus! Isto é o âmago da fé: somos filhos amados de Deus! Filhos amados: temos um Pai que olha por nós sem nunca cessar de amar-nos. Pensemos nisto: seja o que for que tu penses ou faças, mesmo que fossem as coisas piores, Deus continua a amar-te. Gostaria que isto ficasse bem claro para vós: Deus não se cansa de amar. Alguém pode dizer-me: «Mas, se eu escorregar nas coisas mais feias, Deus ama-me?» — Deus ama-te. «E se eu for um traidor, um grande pecador, e acabo mal, na droga... Deus ama-me?» — Deus ama-te. Deus ama sempre. Não consegue parar de amar. Ama sempre e em todo o caso. Contempla a tua vida, e vê-a muito boa (cf. Gn 1, 31). Nunca se arrepende de nos ter criado. Se nos colocarmos diante do espelho, talvez não nos vejamos como queríamos, porque corremos o risco de nos concentrar naquilo que não gostamos. Mas se nos colocarmos diante de Deus, a perspetiva muda. Não podemos deixar de nos maravilhar por sermos para ele, não obstante todas as nossas fraquezas e pecados, filhos amados desde sempre e para sempre. Sendo assim, em vez de começar o dia diante do espelho, porque não abres a janela do quarto e espraias o olhar sobre tudo, sobre toda a beleza existente, sobre toda a beleza que vês? Sai de ti mesmo… Queridos jovens, pensai: se a criação é bela aos nossos olhos, aos olhos de Deus cada um de vós é infinitamente mais belo. Ele fez de nós, como diz a Escritura, uma maravilha, «espantosas maravilhas» (Sl 139, 14). Nós, para Deus, somos uma maravilha espantosa. Deixa-te invadir por este espanto. Deixa-te amar por Quem sempre crê em ti, por Quem te ama mais de quanto consigas, tu próprio, amar-te. Não é fácil compreender esta amplitude, esta profundidade do amor. Não é fácil compreendê-la, mas é assim… Basta deixar-se contemplar pelo olhar de Deus.
E quando ficais desiludidos com o que fizestes, há um outro espanto que não haveis de deixar fugir: o espanto do perdão. Sobre isto quero ser claro: Deus perdoa sempre. Somos nós que nos cansamos de pedir perdão, mas Ele perdoa sempre. Aqui, no perdão, encontram-se de novo o rosto do Pai e a paz do coração. Aqui faz-nos novos, derrama o seu amor num abraço que nos levanta, que desintegra o mal cometido e volta a fazer brilhar a beleza incancelável que há em nós: a de sermos seus filhos prediletos. Não permitamos que a preguiça, o medo ou a vergonha nos roubem o tesouro do perdão. Deixemo-nos maravilhar pelo amor de Deus. Voltaremos a descobrir-nos a nós mesmos; não o que dizem de nós nem aquilo que suscitam em nós os impulsos do momento; não aquilo que os reclames publicitários nos impingem, mas a nossa verdade mais profunda, aquela que Deus vê, aquela em que Ele crê: a beleza irrepetível que somos.
Lembrais-vos das célebres palavras esculpidas no frontispício do templo de Delfos «γνώθι ςεαυτόν — conhece—te a ti mesmo»? Hoje corremos o risco de esquecer quem somos, obcecados por mil aparências, por mensagens marteladas que fazem depender a vida do modo como nos vestimos, do carro que guiamos, da forma como os outros nos olham... Mas aquele antigo convite — «conhece—te a ti mesmo» — é válido ainda hoje: reconhece que vales por aquilo que és, não pelo que tens. Não vales pela marca da roupa ou pelos sapatos que usas, mas porque és único, és única. Vem-me ao pensamento outra imagem antiga: as sereias. Como aconteceu a Ulisses no percurso para casa, também vós na vida, que é uma viagem arriscada rumo à Casa do Pai, encontrareis sereias. Estas, segundo o mito, atraíam os marinheiros com o seu canto para esfacelá-los contra as rochas. Na realidade, as sereias de hoje querem encantar-vos com mensagens sedutoras e insistentes, que apostam em lucros fáceis, nas ilusórias necessidades do consumismo, no culto do bem-estar físico, da diversão a todo o custo... São muitos fogos de artifício, que brilham por um momento e depois deixam apenas fumaça no ar. Eu compreendo-vos! Não é fácil resistir! Lembrais-vos como o conseguiu Ulisses, insidiado pelas sereias? Fez-se amarrar ao mastro do navio. Entretanto temos outro personagem, Orfeu, que nos ensina um meio melhor: entoou uma melodia mais bonita do que a das sereias e assim as fez calar. Eis o motivo por que é importante alimentar o espanto, a beleza da fé! Não somos cristãos porque temos que o ser, mas porque é estupendo. E precisamente para preservar esta beleza, dizemos não àquilo que a quer obscurecer. A alegria do Evangelho, a maravilha de Jesus faz as renúncias e as fadigas passarem para segundo plano. Então estais de acordo? Lembrai-vos bem disto: ser cristão, fundamentalmente, não é fazer isto, fazer aquilo... fazer coisas. Devem-se fazer coisas, mas fundamentalmente não é isso. Ser cristão, fundamentalmente, é deixar que Deus te ame, e reconhecer que és único, que és única aos olhos amorosos de Deus.
Passemos a outro capítulo: os rostos dos outros. Ioanna, gostei que tu, para nos falar da tua vida, tivesses falado dos outros. Primeiro, das duas mulheres mais importantes da tua vida — a mãe e a avó — que te «ensinaram a rezar, a agradecer a Deus cada dia». Assim, assimilaste a fé de forma natural, genuína. E deste-nos uma sugestão, que é útil para nós: recorrer ao Senhor para qualquer coisa. «Falar com Ele, confessar-lhe as nossas preocupações». Assim Jesus tornou-se-te familiar. Como fica contente, quando nos abrimos a Ele! É assim que se conhece Deus. Pois, para o conhecer, não basta ter ideias claras sobre Ele (isso é apenas uma pequena parte, não basta!), é preciso levar até Ele a vida. Talvez esteja aqui o motivo por que muitos o ignoram: porque só ouvem sermões e discursos. Diversamente, Jesus transmite-se através de rostos e pessoas concretas. Experimentai pegar nos Atos dos Apóstolos e lá vereis tantas pessoas, rostos, encontros... Foi assim que os nossos pais na fé conheceram Jesus. Deus não nos passa para a mão um catecismo, mas faz-se presente mediante as histórias das pessoas. Passa através de nós. Deus não nos dá para a mão um livro a fim de aprender coisas de memória, não. Deus faz-se compreender pela proximidade, acompanhando-nos no caminho da vida. Conhecer Jesus é a essência da nossa fé.
Precisamente a propósito disto, Ioanna, falaste-nos duma terceira pessoa decisiva para ti, uma Irmã que te mostrou a alegria «de olhar a vida como um serviço». Destaco isto: olhar a vida como um serviço. É verdade! Servir os outros é o caminho para conquistar a alegria. Dedicar-se aos outros não é procedimento de perdedores, mas de vencedores; é o caminho para se fazer algo de verdadeiramente novo na história. Soube que, em grego, «jovem» se diz «novo», e novo significa jovem. O serviço é a novidade de Jesus; o serviço, o dedicar-se aos outros é a novidade que torna a vida sempre jovem. Queres fazer algo de novo na vida? Queres rejuvenescer? Não te contentes em publicar qualquer “post” ou algum “tweet”. Não te contentes com encontros virtuais, mas procura os reais, sobretudo com quem tem necessidade de ti: não procures a visibilidade, mas os invisíveis. Isto sim; é ser original, revolucionário. Sair de si mesmo para encontrar o outro. Mas, se vives prisioneiro em ti mesmo, nunca encontrarás o outro, nunca saberás o que é servir. Servir é o gesto mais belo, o gesto maior duma pessoa: servir os outros. Há tantos hoje que são muito “social”, mas pouco sociais: fechados em si mesmos, prisioneiros do telemóvel que trazem na mão, mas no visor falta o outro, faltam os seus olhos, a sua respiração, as suas mãos. O visor torna-se facilmente num espelho, onde julgas ter diante de ti o mundo, quando na realidade estás sozinho, num mundo virtual cheio de aparências, de fotografias maquilhadas para parecer sempre belos e em forma. Ao invés, como é bom estar com os outros, descobrir as novidades do outro! Dialogar com o outro, cultivar a mística do todo, a alegria de compartilhar, o ardor de servir!
A respeito disto, em setembro passado, no encontro com os jovens na Eslováquia, alguns deles exibiam um cartaz interessante. Tinha apenas duas palavras: «Fratelli tutti». Gostei! Muitas vezes nos estádios, nas manifestações, nas estradas estendem-se cartazes para apoiar o próprio partido, as próprias ideias, a própria equipa, os próprios direitos. Mas o cartaz daqueles jovens dizia uma coisa nova: que é bom sentir-se irmãos e irmãs de todos, sentir que os outros são parte de nós e não pessoas das quais manter-se à distância. Estou contente por ver-vos todos juntos, unidos apesar de serdes originários de países e histórias tão diferentes. Sonhai a fraternidade!
Em grego, há um dito instrutivo: «o fílos ine állos eaftós — o amigo é um outro eu». Sim, o outro é o caminho para me encontrar a mim mesmo. O outro, ele não é um espelho. Claro, cansa sair da própria zona de conforto; é mais fácil estar sentado no sofá diante da tv . Mas é coisa velha; não é de jovens. Imagina tu: um jovem no sofá. Que coisa velha! Próprio dos jovens é reagir: quando se sentem sozinhos, abrir-se; quando vem a tentação de se fechar, procurar os outros, treinar-se nesta «ginástica da alma». Aqui nasceram os maiores eventos desportivos: as olimpíadas, a maratona... Além da competição que faz bem ao corpo, há aquela que faz bem à alma: treinar na abertura, distanciar-se longamente de si mesmo para encurtar as distâncias com os outros; lançar o coração para além dos obstáculos; erguer os pesos uns dos outros... Treinar-vos nisto far-vos-á felizes, manter-vos-á jovens e levar-vos-á a saborear a aventura de viver.
A propósito de aventura, Aboud, o teu testemunho impressionou-nos: a fuga, juntamente com os teus, da querida e atormentada Síria, depois de terdes corrido várias vezes o risco de ser mortos pela guerra. Então, depois de tantos «nãos» e mil dificuldades, chegastes a este país da única maneira possível, de barco, permanecendo «num rochedo sem água nem comida, esperando o amanhecer e um navio da guarda costeira». Uma verdadeira e própria odisseia dos nossos dias. E veio-me à mente que, na Odisseia de Homero, o primeiro herói que aparece não é Ulisses, mas um jovem: Telémaco, seu filho, que vive uma grande aventura.
Não conhecera o pai e sente-se angustiado, desanimado, porque não sabe onde ele está nem sequer se existe. Sente-se sem raízes e numa encruzilhada: ficar ali à espera, ou fazer uma loucura lançando-se à procura dele. Existem várias vozes, incluindo a da divindade, que o exorta a ter coragem e partir. E é o que ele faz: levanta-se, arranja às escondidas o navio e apressadamente, ao nascer do sol, parte à aventura. O sentido da vida não é ficar na praia, à espera que o vento traga novidades. A salvação está em fazer-se ao mar, está no ímpeto, na busca, em ir no encalço dos sonhos: sonhos reais, sonhos com os olhos abertos, que supõem fadiga, luta, ventos contrários, tempestades repentinas. Por favor, não vos deixeis paralisar pelos medos, mas sonhai em grande. E sonhai juntos. Como, no caso de Telémaco, haverá quem procure deter-vos. Haverá sempre quem vos diga: «Desisti! Não arrisqueis; é inútil». Estes são os anuladores de sonhos, os sicários da esperança, os incuráveis nostálgicos do passado.
Ao contrário vós, por favor, alimentai a coragem da esperança, aquela que tivestes tu, Aboud. E como se faz? Através das vossas opções. Escolher é um desafio: é enfrentar o medo do desconhecido, sair do pântano da homogeneização, decidir tomar as rédeas da própria vida. Para fazer opções corretas, podeis lembrar-vos duma coisa: as boas decisões têm a ver sempre com os outros, e não apenas connosco. Eis as opções pelas quais vale a pena arriscar, os sonhos que se devem realizar: aqueles que exigem coragem e envolvem os outros.
E, ao despedir-me de vós, desejo-vos isto: a coragem de continuar para diante, a coragem de arriscar, a coragem de não ficar no sofá. A coragem de arriscar, de ir ao encontro dos outros. Nunca isolados, sempre com os outros. E, com esta coragem, cada um de vós encontrar-se-á a si mesmo, encontrará o outro e encontrará o sentido da vida. É isto que vos desejo, com a ajuda de Deus, que vos ama a todos. Deus ama-vos. Tende coragem, continuai para diante! Brostà, óli masí [Avante, todos juntos!].