«Deixemos que as crianças vão à escola»: parafraseando a frase evangélica «deixai vir a Mim as criancinhas», a Pontifícia Academia para a Vida (Pav) lança um renovado apelo para este Natal ainda marcado pelo coronavírus. Fá-lo numa nota intitulada La pandemia e la sfida dell’educazione — Bambini e adolescenti al tempo del covid-19 (A pandemia e o desafio da educação — Crianças e adolescentes no tempo da Covid-19) publicada a 22 de dezembro, no mesmo dia em que também foi publicado um documento semelhante, datado de 15 de dezembro, pela Comissão do Vaticano para a Covid-19 (Covaco) — instituída pelo Papa no seio do Dicastério para o serviço do desenvolvimento humano integral — intitulado Bambini e covid-19 — Le vittime più vulnerabili della pandemia (Crianças e Covid-19 — As vítimas mais vulneráveis da pandemia).
Nota da Pav
«A Igreja católica indica a urgência de remover pesados obstáculos que impedem uma integração saudável e positiva das crianças e adolescentes na sociedade — explica a Pav — as crianças devem frequentar a escola». Eis os votos, modelados nas palavras de Cristo, «deixemos que a escola seja um ambiente saudável» e «que os mais pequeninos tenham bons mestres, capazes de paciência e de escuta».
Além disso, lê-se na nota, é necessário «sentir prepotente nos corações — e na ação pastoral — o impulso de levar os mais jovens a Jesus. Deixemos que vão a Ele com as suas perguntas». E, de resto, «incluir as respostas a estas questões nos caminhos da iniciação à fé é uma oportunidade».
O documento abre-se com uma descrição do que foi chamado “pandemia paralela”. De facto, embora o impacto das manifestações clínicas nos menores seja limitado, o stress psicológico causa desconforto e patologias, com consequências diferentes segundo a idade e as condições sociais e ambientais. Esta «pandemia paralela, que atinge gerações na fase em que as energias destinadas a alimentar a imaginação do futuro se desenvolvem, está destinada a afetar sobretudo os adolescentes». Por esta razão, a nota da Pav «pretende construir sobre o que foi experimentado, reconhecendo os recursos positivos que surgiram e destacando lugares particularmente frágeis e problemáticos, a fim de enfrentar o futuro com esperança».
Depois de ter analisado «os recursos das crianças e adolescentes no tempo da Covid-19» em termos de «sensibilidade, resiliência e confiança na ciência», o documento identifica «quatro desafios urgentes: abrir ao máximo as escolas, preservar as relações familiares, educar para a fraternidade universal e transmitir a fé». Especialmente o primeiro traz consigo uma série de consequências negativas que a Pav enumera: aumento do abandono escolar após a interrupção das aulas (pelo menos 10 milhões de crianças não regressarão à escola, sendo reabsorvidas pelo trabalho e exploração infantil); regressão nas competências e aquisições escolares (especialmente devido à acentuação da “digital divide” ligada ao ensino à distância) diminuição de ingestão calórica diária por parte das crianças que vivem em áreas onde o sistema escolar também fornece alimentos (enquanto que, pelo contrário, o encerramento de escolas está associado, no mundo desenvolvido, a estilos de vida menos saudáveis); impacto na saúde mental; e dependência da internet, de jogos de vídeo ou da televisão.
A Covaco
Uma aliança entre governos, organizações da sociedade civil e organizações da Igreja “unidas” para aliviar o crescente sofrimento das crianças, é o que a Comissão do Vaticano para a Covid-19 pede, partindo da observação de que a atual situação de saúde levou muitos menores a condições de pobreza, deixando-os sem os pais. «A exploração e a violência contra crianças aumentaram — explica a Covaco — e o acesso às estruturas educativas foi reduzido».
Dividido em três partes, o documento oferece uma fotografia do contexto atual, analisa-o à luz do Magistério e por fim propõe um plano de ação concreto. A parte inicial explica como toda uma geração está a suportar o peso das consequências económicas, sanitárias e sociais da pandemia, tais como o aumento da pobreza, a crescente insegurança alimentar e o agravamento da violência, abuso e exploração.
Consciente de que «garantir e proteger os direitos das crianças pode promover o desenvolvimento económico e social a longo prazo», a Covaco salienta que sem proteção ou educação, as crianças são «mais suscetíveis de cair na pobreza, ter problemas de abuso de substâncias ou problemas de saúde mental». Estima-se que mais de 5 milhões perderam um progenitor, avô ou tutor devido à Covid-19; um em cada 12 segundos. Nos países de baixo rendimento, após décadas de redução da pobreza, 150 milhões de crianças precipitaram nesta espiral e 160 milhões acabaram empregados no trabalho infantil.
O mesmo se aplica à insegurança alimentar: em 2020, 6-7 milhões de novos casos de desnutrição aguda em crianças menores de cinco anos levaram à morte de cerca de 10.000 crianças por mês, 80% das quais na África Subsaariana e no Sul da Ásia. A Covaco, assim como a Pav, releva também os atrasos significativos na educação. Mais de 168 milhões de crianças perderam um inteiro ano letivo e muitas tiveram pouca escolaridade.
Sem esquecer a violência doméstica e a exploração. As meninas, em particular, são vítimas. Cerca de 10 milhões delas estão em perigo de matrimónio infantil, enquanto que a gravidez de meninas está a aumentar. E a nota não esquece o destino das crianças imunocomprometidas ou deficientes, especialmente as que vivem em estruturas de assistência.
Baseando-se no Magistério de Francisco e na Doutrina Social da Igreja, a segunda parte sublinha que os órfãos devem permanecer numa família, sempre que possível; e que a violência contra as crianças é contrária à mensagem do Evangelho.
Eis então os planos de ação propostos aos líderes políticos e à sociedade civil, por um lado, e às organizações eclesiásticas, por outro. Para os primeiros, trata-se de promover a distribuição equitativa da vacina, reforçar os sistemas de cuidados no seio da família, destinar mais despesas orçamentais à proteção dos menores, combinar transferências monetárias para os pobres com programas complementares e proteger quantos sofreram traumas quando as escolas reabrirem. Às segundas, pede-se que preparem dioceses e paróquias para uma intervenção rápida, para garantir uma assistência segura e enriquecedora dentro das casas, para redobrar esforços no sentido de encontrar uma família para cada criança, e para enfrentar diretamente o aumento da violência contra os menores.