· Cidade do Vaticano ·

Saudação introdutória do Pontífice na exposição “Rostos para o futuro” organizada pelo centro Astalli

Sinais de esperança num deserto de humanidade

 Sinais de esperança  num deserto de humanidade  POR-047
23 novembro 2021

Publicamos o texto da saudação introdutória que o Papa Francisco enviou por ocasião da inauguração da exposição fotográfica preparada pelo centro Astalli na igreja romana de “Sant’Andrea al Quirinale”.

Vaticano, 7 de novembro de 2021.

Caríssimos Duclair, Nathaly e Haider, dirijo estas palavras de carinho e proximidade a vós e a todas as pessoas refugiadas que nos últimos 40 anos chegaram à Itália e foram acompanhadas pelo Centro Astalli.

As vossas são histórias de homens e mulheres que partilharam um trecho de caminho com o Centro Astalli, o Serviço dos Jesuítas para os Refugiados na Itália, umas vezes breve e outras muito longo, encontrando na relação e no conhecimento recíproco o sentido e a força para se comprometer no caminho rumo à liberdade.

Na Bíblia, quarenta é um número significativo que tem muitas referências, mas certamente pensando em vós vem-me à mente o povo de Israel que, durante 40 anos, caminhou no deserto antes de entrar na terra prometida. Livres da escravidão, empregaram o tempo de uma geração para se constituir como povo, com não poucas dificuldades. Também os últimos quarenta anos da história da humanidade não foram um progredir linear: o número de pessoas forçadas a fugir da própria terra aumenta continuamente.

Muitos de vós tiveram que escapar de condições de vida comparáveis às da escravidão, onde na base existe um conceito da pessoa humana desprovida da sua dignidade e tratada como objeto.

Sabeis como a guerra pode ser terrível e ignóbil, sabeis o que significa viver sem liberdade nem direitos, assistis inermes à medida que a vossa terra vai secando, a vossa água se polui e não tendes outra possibilidade, a não ser partir para um lugar seguro onde realizar sonhos e aspirações, onde fazer frutificar talentos e capacidades.

Infelizmente, em muitos casos pôr-se a caminho não representou uma verdadeira libertação. Com demasiada frequência deparais-vos com um deserto de humanidade, com uma indiferença que se tornou global e que torna áridas as relações entre os homens.

A história destas últimas décadas deu sinais de regresso ao passado: os conflitos reacendem-se em várias partes do mundo (e as vossas proveniências dizem-nos isto muito bem), nacionalismos e populismos renascem em diferentes latitudes, a construção de muros e o retorno dos migrantes para lugares inseguros parecem ser a única solução de que os governos são capazes para gerir a mobilidade humana.

Todavia, nestes quarenta anos e neste deserto houve muitos sinais de esperança que nos permitem poder sonhar que caminhamos juntos como um novo povo “rumo a um nós cada vez maior”.

Caros refugiados, antes de tudo vós sois sinal e face desta esperança. Há em vós a aspiração a uma vida plena e feliz, que vos sustenta na hora de enfrentar com coragem circunstâncias concretas e dificuldades que para muitos podem parecer intransponíveis.

Quando vos é dada a oportunidade, ofereceis-nos palavras indispensáveis para conhecer, compreender, não repetir os erros do passado, mudar o presente e construir um futuro de paz.

As histórias de muitos homens e mulheres de boa vontade, que nestes 40 anos no Centro Astalli doaram tempo e energias, constituem um sinal desta mesma esperança: milhares de pessoas muito diferentes entre elas, mas unidas pelo desejo de um mundo mais justo no qual dignidade e direitos sejam verdadeiramente de todos. Como recordei na Fratelli tutti: «A história do bom samaritano repete-se [...] Jesus não propõe vias alternativas [...] Confia na melhor parte do espírito humano e, com a parábola, anima-o a aderir ao amor, a reintegrar o ferido e a construir uma sociedade digna de tal nome» (n. 71).

Isto faz-nos olhar para o futuro com confiança, sonhando que se pode viver juntos como povo livre porque solidário, que sabe redescobrir a dimensão comunitária da liberdade, como povo unido, não uniforme, diversificado na riqueza das diferentes culturas. Agora chegou também para nós o momento de viver na terra prometida, terra da solidariedade, que nos coloca ao serviço uns dos outros; este é o tempo de uma casa comum constituída por povos irmãos.

Os rostos dos homens e mulheres que se sucedem nesta exposição, que se referem a nomes e histórias específicas de pessoas acolhidas no Centro Astalli e que fazem vislumbrar os contornos matizados de alguns lugares da cidade de Roma, manifestam o desejo de ser parte ativa das cidades como lugar de vida compartilhada; protagonistas com plena cidadania, ao lado de muitos outros homens e mulheres na construção de comunidades solidárias.

Então, neste aniversário o desejo sincero é que se realize a “cultura do encontro” e, como povo, nos apaixone o querer encontrar-nos, procurando pontos de contacto, construindo pontes, projetando algo que envolva todos. Que isto se torne uma aspiração e um estilo de vida, como recordei na Fratelli tutti (cf. n. 216). Esta será a terra prometida para todos!

O Padre Arrupe vele sobre vós, o Centro Astalli e todo o Jesuit Refugee Service.

Francisco