«Ouvir, aprofundar, narrar» são os «três verbos» que caraterizam o «bom jornalismo», disse o Papa Francisco, encontrando-se na manhã de 13 de novembro na sala do Consistório, com um grupo de jornalistas acreditados junto da sala de imprensa da Santa Sé. Em especial, o Pontífice conferiu as insígnias de Cavaleiro e Dama da Grã-Cruz da Ordem Piana a Philip Pullella e Valentina Alazraki, que precedentemente recebeu em audiência particular. Eis o discurso pronunciado por Francisco.
Bom dia, prezados amigos!
Tenho o prazer de vos receber aqui, depois de nos termos encontrado tantas vezes no corredor dos aviões, durante entrevistas a grandes altitudes, ou de passagem, durante as várias celebrações e encontros das peregrinações apostólicas no mundo. Somos companheiros de viagem! E hoje festejamos dois jornalistas peritos, que sempre acompanharam os Papas, a informação sobre a Santa Sé e, mais em geral, sobre a Igreja católica. Uma é a vossa “decana”, Valentina Alazraki: há 47 anos que faz voos papais, que é jornalista aqui: entrou imediatamente depois da primeira Comunhão! Muito jovem, apanhou o avião que levava São João Paulo ii a Puebla, em 1979, pela primeira vez, e deu de presente ao Papa um sombrero, ou seja, um grande chapéu feito pelos mexicanos. O outro é o vosso “decano”, Phil Pullella, também ele veterano e bem conhecido protagonista da informação do Vaticano. Quantas experiências compartilhadas, quantas viagens, quantos eventos viveu em primeira pessoa, narrando-os aos vossos telespetadores e leitores! Não gostaria de esquecer um nome, e trago-o no coração, pois era um bom homem: um russo que nos deixou, [Aleksei] Bukhalov. Também a ele uma recordação neste momento. Um bom companheiro de viagem!
Com a honorificência atribuída a Valentina e Phil, hoje quero de certo modo prestar homenagem a toda a vossa comunidade de trabalho; para vos dizer que o Papa vos quer bem, vos acompanha, vos estima e vos considera preciosos. Ao jornalismo não se chega tanto escolhendo uma profissão, quanto lançando-se numa missão, um pouco como o médico, que estuda e trabalha para que o mal seja curado no mundo. A vossa missão consiste em explicar o mundo, em torná-lo menos obscuro, em fazer com que quantos nele vivem tenham menos medo dele e olhem para os outros com mais consciência, e também com mais confiança. Não é uma missão fácil! É complicado pensar, meditar, aprofundar, parar para reunir as ideias e para estudar os contextos e precedentes de uma notícia. O risco, como bem sabeis, é o de se deixar esmagar pelas notícias, em vez de lhes poder dar um sentido. Por isso, encorajo-vos a preservar e cultivar aquele sentido de missão que está na origem da vossa escolha. E faço-o com três verbos que a meu ver podem distinguir o bom jornalismo: ouvir, aprofundar e narrar.
Ouvir é um verbo que vos diz respeito como jornalistas, mas que diz respeito a todos nós como Igreja, em todos os momentos e especialmente agora que começou o processo sinodal. Para o jornalista, ouvir significa ter a paciência de se encontrar cara a cara com as pessoas a entrevistar, os protagonistas das histórias que se contam, as fontes de onde receber as notícias. O ouvir caminha sempre de mãos dadas com o ver, com o estar presente: certos matizes, sensações e descrições abrangentes só podem ser transmitidos aos leitores, ouvintes e espetadores, se o jornalista tiver escutado e visto pessoalmente. Isto significa subtrair-se — e sei como é difícil no vosso trabalho! — subtrair-se à tirania de estar sempre online, nas redes sociais, na web. O bom jornalismo do ouvir e do ver precisa de tempo. Nem tudo pode ser contado através do e-mail, do telefone ou de um ecrã. Como recordei na Mensagem para o Dia das Comunicações deste ano, precisamos de jornalistas dispostos a “gastar a sola dos sapatos”, a sair das redações, a caminhar pelas cidades, a encontrar-se com as pessoas, a averiguar as situações em que se vive no nosso tempo. Ouvir é a primeira palavra que me veio à mente.
Aprofundar, o segundo verbo, é uma consequência do ouvir e do ver. Cada notícia, cada situação de que falamos, cada realidade que descrevemos precisa de aprofundamento. No tempo em que milhões de informações estão disponíveis na rede, e muitas pessoas se informam e formam as suas opiniões nas redes sociais, onde às vezes infelizmente prevalece a lógica da simplificação e da oposição, a contribuição mais importante que o bom jornalismo pode dar é a do aprofundamento. Com efeito, que podeis oferecer a mais, a quantos vos leem ou escutam, em relação àquilo que já encontram na web? Podeis oferecer o contexto, os precedentes, chaves de interpretação que ajudem a situar o acontecimento ocorrido. Sabeis muito bem que, até quando se trata da informação sobre a Santa Sé, nem tudo o que se diz é sempre “novo” ou “revolucionário”. Procurei documentar isto no recente discurso aos movimentos populares, quando indiquei as referências à Doutrina social da Igreja, em que se baseavam os meus apelos. A Tradição e o Magistério continuam e desenvolvem-se confrontando-se com exigências sempre novas do tempo em que vivemos e iluminando-as com o Evangelho.
Escutar, aprofundar e o terceiro verbo: narrar. Não o devo explicar a vós, que vos tornastes jornalistas precisamente porque sois curiosos sobre a realidade e apaixonados pela sua narração. Narrar significa não se colocar em primeiro plano, nem se arvorar em juiz, mas deixar-se impressionar e às vezes ferir pelas histórias que encontramos, de modo a poder contá-las com humildade aos nossos leitores. A realidade é um grande antídoto contra muitas “doenças”. A realidade, o que acontece, a vida e o testemunho das pessoas, é o que merece ser contado. Penso nos livretes que a senhora, Valentina, escreve sobre as mulheres que sofrem a tirania do abuso. Hoje temos grande necessidade de jornalistas e comunicadores apaixonados pela realidade, capazes de encontrar os tesouros muitas vezes escondidos nas dobras da nossa sociedade e de os descrever, permitindo-nos ficar impressionados, aprender, alargar a nossa mente, compreender aspetos que antes não conhecíamos. Estou-vos grato pelo esforço de contar a realidade. A diversidade de abordagens, de estilos, de pontos de vista ligados às diferentes culturas ou pertenças religiosas é também uma riqueza de informação. Agradeço-vos inclusive pelo que narrais sobre quanto não funciona na Igreja, pela vossa ajuda a não o esconder debaixo do tapete e pela voz que destes às vítimas de abusos, obrigado por isso!
E, por favor, lembrai-vos também de que a Igreja não é uma organização política que tem no seu seio a esquerda e a direita, como acontece nos parlamentos. Às vezes, infelizmente, reduz-se a isto nas nossas considerações, com algumas raízes na realidade. Mas não, a Igreja não é isto! Não é uma grande empresa multinacional liderada por gerentes que estudam teoricamente como melhor vender o seu produto. A Igreja não se constrói sozinha, com base num próprio projeto, não encontra em si a força para progredir e não vive de estratégias de marketing. Cada vez que cai nesta tentação mundana — e cai ou caiu muitas vezes — a Igreja, sem se dar conta, acredita que tem uma luz própria e esquece que é o “mysterium lunae” de que os Padres dos primeiros séculos falavam — ou seja, a Igreja só é autêntica à luz do Outro, como a lua — e assim a sua ação perde vigor e é inútil. A Igreja, composta por homens e mulheres, pecadores como todos, nasceu e existe para refletir a luz de Outro, a luz de Jesus, assim como faz a lua em relação ao sol. A Igreja existe para levar a palavra de Jesus ao mundo e tornar possível hoje o encontro com Ele, vivo, tornando-se veículo do seu abraço de misericórdia oferecido a todos.
Queridos amigos, obrigado por este encontro. Obrigado e parabéns aos nossos dois “decanos”, que hoje se tornam “Dama” e “Cavaleiro” da Grã-Cruz da Ordem Piana. Obrigado a todos pelo trabalho que realizais. Obrigado pela vossa busca da verdade, pois só a verdade nos liberta. Obrigado!