Na manhã de 12 de novembro, o Santo Padre fez uma peregrinação a Assis, em preparação para o Dia mundial dos pobres. Antes do encontro na basílica de Santa Maria dos Anjos, o Pontífice visitou de surpresa a comunidade das clarissas no protomosteiro de Santa Clara, onde deixou uma breve frase autógrafa: «Tenho medo do Senhor quando Ele passa, dizia Santo Agostinho. Tomai cuidado para não o deixardes passar sem o encontrar. Cuidado com a mente, cuidado com o coração, cuidado com as mãos». Por sua vez, as clarissas doaram 500 rosários aos pobres que participaram no encontro na Porciúncula. A seguir, o discurso do Papa.
Festejam sempre: ela é uma verdadeira Clarissa... Sempre. Pois Santo Agostinho dizia que é preciso estar sempre atento sobre isto. Dizia: «Tenho medo que o Senhor passe e que eu não me aperceba que Ele passa». Esta atenção do Espírito, e também vós, da esposa que está sempre à espera que o Senhor passe. Isto é bonito, estar atento! A alma atenta, não a alma dispersa por toda a parte, não, atenta, à espera do Senhor. Gosto quando me encontro com contemplativas que estão atentas.
E para estar atento, é preciso ter paz em três coisas.
Ter paz na cabeça. Porque às vezes, sabes, a cabeça gira... Há sempre pessoas, eu também, todos, com a tentação de estar em toda a parte, olhar... Quando eu era criança, lembro-me que no bairro havia uma senhora que lhe chamavam — não sei se é assim que se traduz — a “janeleira”, porque atrás da grade da janela passava o dia inteiro a observar o que acontecia. Não, esta atenção não é útil, porque o que acontece distrai. Mas a atenção da mente limpa, atenta ao que acontece, porque pensa bem. Por exemplo, uma mente que pensa bem é uma mente que não perde tempo com os pensamentos para falar mal das outras. Pensa bem das pessoas. Para pensar mal já existe o diabo, não é verdade? Ele sozinho é suficiente. A mente serena.
Segunda coisa, estar atento ao Senhor, o coração sereno. Voltar sempre ao início da vocação: por que fui chamado? Para fazer carreira? Para chegar àquele lugar, àquele outro? Não! Para amar e para me deixar amar. E voltar sempre àquele início da vocação. Cada um de nós tem no coração o início da vocação. Voltar com a memória, e assim pôr o coração em sintonia com aquilo que sentia naquele momento. A alegria de seguir Jesus, de o acompanhar.
E depois, a serenidade das mãos. É verdade que para rezar é preciso ficar assim [faz o gesto das mãos postas]; mas as mãos devem também mover-se para trabalhar. Por exemplo: um consagrado, uma consagrada se não trabalhar, que não coma. É o que diz Paulo numa carta aos Tessalonicenses: quem não trabalha, que não coma!
Mente, coração e mãos, fazendo sempre o que devem fazer, e não fazendo outras coisas.
E assim, diria, há o equilíbrio do consagrado, da consagrada, das religiosas. É um equilíbrio passional, não um equilíbrio frio: é cheio de amor e de paixão. E é fácil aperceber-se do Senhor quando passa, e não o deixar passar sem ouvir o que quer dizer. O vosso trabalho consiste nisto. Carregais sobre os ombros os problemas da Igreja, as dores da Igreja e também — ousaria dizer — os pecados da Igreja, os nossos pecados, dos bispos, somos bispos pecadores, todos; os pecados dos sacerdotes; os pecados das almas consagradas... E levá-las perante o Senhor: “São pecadores, mas esquece, perdoa-lhes”, sempre com a intercessão pela Igreja.
O perigo não é ser pecador. Se agora eu perguntasse: “Quem de vós não é pecadora?”, ninguém falaria. Dizemo-lo: todos somos pecadores. O perigo é que o pecado se torne habitual, como uma atitude normal; pois quando o pecado, uma atitude pecaminosa se torna tal, já não é pecado, torna-se corrupção. E o corrupto é incapaz de pedir perdão, é incapaz de se dar conta que errou. O caminho da corrupção só tem passagem de ida, dificilmente de volta. No entanto, a vida dos pecadores sente a necessidade de pedir perdão. Nunca percamos este sentimento de necessidade de pedir perdão sempre!
O que significa isto? Que somos pecadores, que não somos corruptos. Se a um certo ponto alguém disser: “Não, não sinto necessidade de pedir perdão”, cuidado: enveredas pelo caminho da corrupção. Peçamos que a Igreja não seja corrupta, pois a corrupção da Igreja é terrível! É de “alta qualidade”: sacerdotes, bispos, religiosas corruptas são de altíssima qualidade! Pensemos naquelas religiosas jansenistas, por exemplo, em Port Royal: eram puríssimas, como anjos, mas dizia-se que eram tão soberbas como os diabos. É a corrupção de altíssima qualidade, a corrupção das pessoas boas. Há um ditado que reza: “Corruptio optimi pessima”, ou seja, a corrupção de quem é bom é péssima, é a pior. Sempre com a humildade de se sentir pecador, pois o Senhor perdoa sempre, olha para o outro lado. Perdoa tudo!
Um confessor que vivia em Buenos Aires, com 92 anos, disse-me — ele ainda continua a confessar, com 94 anos, tem sempre uma fila no confessionário, é um capuchinho, há uma fila de pessoas, uma fila de homens, mulheres, crianças, jovens, operários, sacerdotes, bispos, religiosas, todos, todo o rebanho do povo de Deus vai confessar-se a ele porque é um bom confessor. Um dia ele veio ao paço episcopal, ainda não era tão velho, devia ter 84 anos, veio ter comigo e disse-me: “Sabes — tratava-me por tu, tratava todos por tu — sabes que há um problema”... — “Diz-me, diz-me” — “É que às vezes me sinto mal porque perdoo demasiado... E sinto algo dentro...”. Era um homem de intensa oração, de elevada contemplação. “E diz-me, o que fazes, Luigi, quando te sentes assim?” — “Vou à capela e rezo, e digo: Senhor, perdoa-me, porque perdoei demais” — “Mas tu és de mãos-largas?” — “Não, não, digo coisas sérias, mas perdoo porque me apetece perdoar”. Certa vez disse-lhe, não naquele momento, noutra altura: “Mas recordaste de não ter perdoado alguma vez?” — “Não, não me lembro”. Este é um bom confessor, não é verdade? “E o que fazes?” — “Entro na capela, olho para o tabernáculo: Senhor, perdoa-me, perdoei demais! Mas uma vez disse-lhe: mas cuidado: foste Tu que me deste o mau exemplo!”. Deus perdoa tudo. Pede unicamente a nossa humildade de pedir perdão. Por isso é importante não perder este hábito de pedir perdão, que é uma virtude. Ao contrário, o corrupto perde-a. Pecadores, sim, corruptos, não!
Eu interrogava-me: será que Nossa Senhora, alguma vez, pediu perdão? A Imaculada... É uma pergunta teológica, a fazer às religiosas... Mas não acredito que Nossa Senhora tenha estado sempre “acima de si mesma”: pelas pequenas coisas, que pensava ter errado, certamente pedia desculpa ao Senhor, ainda que não fossem objetivas, mas era assim. Por exemplo, penso naquela viagem de Jerusalém, onde o menino tinha fugido, permanecendo ali: mas quantas vezes deve ter pedido perdão! “Eu devia ter estado mais perto...”. Na vida existem estas coisas, não é verdade? Por que digo isto, por que faço esta pergunta? Porque até a pessoa mais perfeita deve ter o coração aberto para pedir perdão, sempre! É o aspeto melhor, ser perdoado!
Ontem à tarde estive com um grupo de jovens que trabalham na pregação do Evangelho aos jovens de hoje. Também jovens artistas, dos grupos que fazem estas coisas novas, sobretudo nos Estados Unidos, Hollywood, naquela região. Mostraram-me — algumas peças — com estes jovens dos quais alguns dizem que nem sequer acreditam no próprio nariz... Apresentaram a parábola do filho pródigo: toda a história de um jovem moderno, atual, que desperdiça o dinheiro do pai, que se dá a todos os vícios e, no final, falando com um amigo, diz: “Não estou contente, estou triste, porque tenho saudades do pai, tenho saudades do pai. Fiz todas estas coisas erradas e tomei um mau caminho, que não me ajuda... Mas não ouso voltar para casa, porque tenho medo que o meu pai me rejeite ou me bata, ou me insulte... Não tenho vontade!”. E ele diz-lhe: “Mas não tens um amigo que vá sondar um pouco o pai: o que aconteceria se o teu filho voltasse?” — “Não, não tenho ninguém” — “Mas, se quiseres, posso ir e dizer-lhe para te dar um sinal” — “Mas que sinal?”. E falam sobre isto. E no final, diz: “Vou, falo com o teu pai, digo-lhe que tens o desejo de pedir perdão e voltar, mas não sabes se serás bem recebido, e que se ele te receber bem, que ponha um lenço branco no terraço, que se veja bem”. E o filho começou a percorrer o caminho, e quando estava perto da casa, viu-a: viu a casa cheia de lenços brancos! Ou seja, as nossas mãos não são suficientes para receber tudo o que Ele nos dá, até quando somos pecadores e lhe pedimos perdão. E a abundância do nosso Pai é assim: aguarda-nos com a casa revestida de numerosos lenços brancos. É mais generoso!
Lembro-me, voltando a falar sobre o perdão — gosto de falar do perdão, pois é algo positivo: mais do que o pecado, o perdão — quando Pedro pergunta ao Senhor: “Mas quantas vezes devo perdoar? Sete vezes, chega?” — “Setenta vezes sete”, ou seja, sempre. Com efeito, como nos ensina o Pai-Nosso, perdoar os outros é condição para ser perdoado. Vós, em capítulo, por exemplo — acontecerá, não penso aqui, mas pensemos noutro convento — uma de vós está zangada, tem a cara um pouco azeda, digamos assim, “porque me zanguei com aquela outra, mas que seja ela a pedir perdão, pois foi ela...”. Todos conhecemos as pequenas coisas da comunidade, eu também vivi em comunidade e sei como é a comunidade. Até na Cúria acontecem estas coisas... Mas dá o primeiro passo! Um sorriso, só um sorriso! É um dia lindo...
Não sei se falei disto da outra vez: Teresinha. Quando devia sair do coro, antes do jantar, dez minutos antes, para levar a madre San Pietro ao refeitório, porque a pobrezinha coxeava muito; era um pouco impaciente, e se Teresinha lhe tocasse, dizia: “Não me toques! Se me tocares é pecado”. Às vezes acontece esta amargura. E o que fazia Teresinha? Um sorriso, sempre. Acompanhava-a, ajudava-a a sentar-se, cortava-lhe o pão, tudo, de tal modo que quando chegavam as outras irmãs, estava tudo pronto para começar a jantar. E uma vez, a queixa da madre San Pietro foi tão forte que Teresinha, ouvindo a música de uma dança [na casa ao lado do mosteiro], disse: “Há pessoas que dançam, pessoas felizes, pessoas que se divertem... Mas eu não troco isto por aquilo, para mim isto é mais bonito”. A beleza da caridade fraterna!
E esta vivência da caridade é ter o coração aberto, as mãos abertas, a mente aberta para o encontro com o Senhor, a fim de que Ele não passe sem que eu me aperceba.
Bueno. Algumas de vós podem pensar: “Quando terminará, este sacerdote... é a pregação de Quaresma?”. Agradeço-vos. Pensai na Igreja. Pensai nos idosos, nos avós, que muitas vezes são “material de descarte”: não os querem em família, porque são problemáticos e assim colocam-nos nalgum lugar... Pensai nas famílias, como muitas vezes o pai e a mãe devem trabalhar, para chegar ao fim do mês, para ter o que comer. Orai pelas famílias, a fim de que saibam educar bem os filhos. Pensai nas crianças, nos jovens e nas numerosas ameaças de mundanidade, que fazem muito mal. E rezai pela Igreja. Pensai nas religiosas, nas consagradas como vós, naquelas que devem trabalhar nas escolas e nos hospitais. Pensai nos sacerdotes. Teresinha entrou no Carmelo para rezar pelos sacerdotes: temos necessidade, temos necessidade! Rezai para que saibamos ser pastores e não chefes de gabinete: que os presbíteros sejam bispos, sacerdotes, tenham esta pastoralidade, sejam pastores.
Não tenho mais nada a dizer. Acho que o sermão de Quaresma foi longo! Muito obrigado!