«É tempo de restituir a palavra aos pobres», porque durante demasiado tempo «os seus pedidos não foram ouvidos»: eis a invocação elevada pelo Papa Francisco em Assis, onde esteve tendo em vista o Dia mundial dos pobres, que se celebrou no dia 14. Durante o encontro de oração e testemunho realizado na basílica de Santa Maria dos Anjos, o Pontífice proferiu o seguinte discurso.
Estimados irmãos e irmãs
bom dia!
A
gradeço-vos por terdes aceitado o meu convite — fui o convidado! — para celebrar aqui em Assis, cidade de São Francisco, o quinto Dia Mundial do Pobre, que se comemora depois de amanhã. Foi uma ideia que nasceu de vós, cresceu e já chegámos à quinta edição. Assis não é uma cidade como qualquer outra: Assis tem o rosto de São Francisco. Pensar que foi nestas ruas que ele viveu a sua juventude inquieta, que recebeu a chamada a viver o Evangelho à letra, é para nós uma lição fundamental. Claro que, de certa forma, a sua santidade faz-nos estremecer, porque parece impossível imitá-lo. Mas então, no momento em que recordamos certos períodos da sua vida, aqueles “fioretti” que foram recolhidos para mostrar a beleza da sua vocação, sentimo-nos atraídos por esta simplicidade de coração e simplicidade de vida: é a própria atração de Cristo, do Evangelho. Estes são factos da vida que valem mais do que os sermões.
Gosto de recordar um, que expressa bem a personalidade do Pobrezinho (cf. Fioretti, cap. 13: Fontes Franciscanas, 1841-1842). Ele e o irmão Masseo partiram para a França, mas não tinham levado provisões com eles. A um certo ponto, tiveram de começar a pedir a caridade. Francisco seguiu um caminho e o irmão Masseo outro. Mas, como nos narram os Fioretti, Francisco era pequeno de estatura e aqueles que não o conheciam consideravam-no um “mendigo”, enquanto que o irmão Masseo “era um homem grande e bonito”. Foi assim que São Francisco mal conseguiu obter alguns pedaços de pão velho e duro, enquanto o irmão Masseo obtinha bons pedaços de pão.
Quando os dois se reencontraram, sentaram-se no chão e colocaram o que tinham recolhido sobre uma pedra. Ao ver os pedaços de pão recolhidos pelo frade, Francisco disse: “Irmão Masseo, nós não somos dignos deste grande tesouro”. O frade espantado respondeu: “Padre Francisco, como se pode falar de tesouro quando há tanta pobreza e até faltam até as coisas necessárias?”. Francisco respondeu: “É precisamente isto que considero um grande tesouro, pois não há nada, mas o que temos foi doado pela Providência que nos deu este pão”. Este é o ensinamento de São Francisco: saber contentar-se com o pouco que temos e partilhá-lo com os outros.
Estamos aqui na Porciúncula, uma das pequenas igrejas que São Francisco pensou em restaurar, depois de Jesus lhe ter pedido para “reparar a sua casa”. Naquela época, ele nunca teria pensado que o Senhor lhe pediria para dar a sua vida a fim de renovar não a igreja feita de pedras, mas de pessoas, de homens e mulheres que são as pedras vivas da Igreja. E se estamos aqui hoje é precisamente para aprender com o que São Francisco fez. Ele gostava de passar muito tempo nesta pequena igreja a rezar. Ele recolhia-se aqui em silêncio e escutava o Senhor, o que Deus queria dele. Também nós viemos aqui para isto: queremos pedir ao Senhor que ouça o nosso grito, que ouça o nosso grito, e que venha em nosso auxílio. Não esqueçamos que a primeira marginalização de que sofrem os pobres é a espiritual. Por exemplo, muitas pessoas e jovens encontram algum tempo para ajudar os pobres e levar-lhes comida e bebidas quentes. Isto é muito bom e agradeço a Deus pela sua generosidade. Mas sobretudo fico feliz quando ouço que estes voluntários param para falar com as pessoas, e por vezes rezam com elas... Assim, a nossa presença aqui, na Porciúncula, recorda-nos a companhia do Senhor, que Ele nunca nos deixa sozinhos, Ele acompanha-nos sempre em cada momento da nossa vida. O Senhor está hoje entre nós. Ele acompanha-nos, na escuta, na oração e nos testemunhos dados: é Ele, connosco.
Há outro facto importante: aqui na Porciúncula São Francisco acolheu Santa Clara, os primeiros frades, e muitos pobres que o procuravam. Com simplicidade recebeu-os como irmãos e irmãs, partilhando tudo com eles. Esta é a expressão mais evangélica que somos chamados a fazer nossa: o acolhimento. Acolher significa abrir a porta, a porta da casa e a porta do coração, e permitir que aqueles que batem à porta, entrem. E que se sinta à-vontade, não em sujeição, não, à-vontade, livre. Onde existe um verdadeiro sentido de fraternidade, existe também a experiência sincera de acolhimento. Onde, por outro lado, há medo do outro, desprezo pela sua vida, então nasce a rejeição ou, pior ainda, a indiferença: olhar para o outro lado. Acolher gera um sentido de comunidade; a rejeição, pelo contrário, fecha-se sobre o próprio egoísmo. Madre Teresa, que fez da sua vida um serviço ao acolhimento, gostava de dizer: “Qual é o melhor acolhimento? O sorriso”. O sorriso. Partilhar um sorriso com alguém em necessidade é bom para ambos, para mim e para o outro. Um sorriso é uma expressão de simpatia, de ternura. E então o sorriso envolve-te, e não te podes distanciar da pessoa a quem sorriste.
Agradeço-vos, porque viestes de tantos países para viver esta experiência de encontro e de fé. Gostaria de dar graças a Deus que inspirou esta ideia do Dia dos Pobres. Uma ideia nascida de uma forma bastante estranha, numa sacristia. Estava prestes a celebrar a Missa e um de vós — o seu nome é Étienne — conheceis? É um enfant terrible — Étienne deu-me a sugestão: “façamos o Dia dos Pobres”. Saí e senti que o Espírito Santo, dentro, me estava a dizer para o fazer. Foi assim que começou: pela coragem de um de vós de levar as coisas em frente. Agradeço-lhe pelo trabalho ao longo dos anos e pelo trabalho de tantos que o acompanham. E gostaria de agradecer ao Cardeal [Barbarin] a sua presença: ele está entre os pobres, também ele sofreu com dignidade a experiência da pobreza, do abandono, da desconfiança. E defendeu-se com o silêncio e a oração. Obrigado, Cardeal Barbarin, pelo seu testemunho que edifica a Igreja. Estava a dizer que viemos para nos encontrar: esta é a primeira coisa, irmos ao encontro um do outro de coração aberto e mão estendida. Sabemos que cada um de nós precisa do outro, e que até a fraqueza, se experimentada em conjunto, pode tornar-se uma força que melhora o mundo. Muitas vezes a presença dos pobres é vista com irritação e tolerada; outras, ouvimos dizer que são os pobres os responsáveis pela pobreza: mais um insulto! Para não fazer um exame de consciência sério sobre as próprias ações, sobre a injustiça de certas leis e medidas económicas, um exame de consciência sobre a hipocrisia daqueles que querem enriquecer sem medida, descarregam a culpa nos mais fracos.
É tempo de os pobres terem novamente uma palavra a dizer, porque durante demasiado tempo as suas exigências não foram ouvidas. É tempo de lhes abrir os olhos e ver o estado de desigualdade em que vivem tantas famílias. É tempo de arregaçar as mangas para restituir a dignidade através da criação de empregos. É tempo de se voltar a escandalizar com a realidade de crianças famintas, escravizadas, náufragas, vítimas inocentes de todo o tipo de violência. É tempo de cessar a violência contra as mulheres e de as mulheres serem respeitadas e não tratadas como mercadoria. É tempo de quebrar o círculo da indiferença e descobrir a beleza do encontro e do diálogo. Chegou a hora de nos encontrarmos. É o momento do encontro. Se a humanidade, se nós, homens e mulheres, não aprendermos a encontrar-nos, estamos a caminhar para um fim muito triste.
Ouvi atentamente os vossos testemunhos, e agradeço-vos tudo o que demonstrastes com coragem e sinceridade. Coragem, porque quisestes partilhá-los com todos nós, mesmo que façam parte da vossa vida pessoal; sinceridade, porque vos mostrastes como sois e abristes os vossos corações com o desejo de serdes compreendidos. Há algumas coisas que me agradaram particularmente e que gostaria de retomar de alguma forma, para as tornar ainda mais minhas e deixá-las assentar no meu coração. Antes de mais, recebi um grande sentido de esperança. A vida nem sempre foi amável convosco, de facto, mostrou-vos muitas vezes uma cara cruel. A marginalização, o sofrimento da doença e da solidão, a falta de muitos meios necessários não vos impediu de olhar com os olhos cheios de gratidão para as pequenas coisas que vos permitiram resistir.
Resistir. Esta é a segunda impressão que recebi e vem precisamente da esperança. O que significa resistir? Ter a força para continuar apesar de tudo, para ir contra a corrente. A resistência não é uma ação passiva, pelo contrário, requer coragem para empreender um novo caminho sabendo que dará frutos. Resistência significa encontrar razões para não desistir perante as dificuldades, sabendo que não as vivemos sozinhos mas juntos, e que só juntos as podemos superar. Resistir a qualquer tentação de desistir e cair na solidão ou tristeza. Resistir, agarrando-se à pequena ou pouca riqueza que possamos ter. Penso na jovem do Afeganistão, com a sua frase lapidária: o meu corpo está aqui, a minha alma está lá. Resistir com a memória, hoje. Penso na mãe romena que falou no final: dor, esperança e nenhuma saída, mas grande esperança nos seus filhos que a acompanham e lhe devolveram a ternura que receberam dela.
Peçamos ao Senhor que nos ajude sempre a encontrar a serenidade e a alegria. Aqui na Porciúncula, São Francisco ensina-nos a alegria que provém de olharmos para aqueles que nos rodeiam como companheiros de viagem que nos compreendem e apoiam, tal como somos para ele ou ela. Que este encontro abra os corações de todos nós para nos colocarmos à disposição uns dos outros; abra os nossos corações para fazer das nossas fraquezas uma força que nos ajude a continuar no caminho da vida, para transformar a nossa pobreza numa riqueza a ser partilhada e assim melhorar o mundo.
O Dia dos Pobres. Obrigado aos pobres que abrem o coração para nos darem a sua riqueza e curarem o nosso coração ferido. Obrigado por esta coragem. Obrigado, Étienne, por teres sido dócil à inspiração do Espírito Santo. Obrigado por estes anos de trabalho; e também pela “teimosia” de trazer o Papa a Assis! Obrigado! Obrigado, Eminência, pelo apoio, pela ajuda a este movimento de Igreja — dizemos “movimento” porque se movem — e pelo testemunho. E obrigado a todos vós. Levo-vos no meu coração. E, por favor, não vos esqueçais de rezar por mim, pois tenho as minhas pobrezas, e muitas! Obrigado!