O aborto é «um homicídio e não é lícito tornar-se seu cúmplice»: neste caso, a objeção de consciência deve ser considerada uma «denúncia das injustiças cometidas contra a vida inocente e indefesa», disse Francisco aos participantes no 42º Congresso nacional da Sociedade italiana de farmácia hospitalar (Sifo), recebidos em audiência na manhã de 14 de outubro, na sala Clementina. Os trabalhos, sobre o tema «O farmacêutico, promotor e intérprete da mudança, da emergência, da planificação», terminaram no dia 17.
Prezados irmãos e irmãs
bom dia e bem-vindos!
Agradeço ao Presidente da Sociedade Italiana de Farmácia Hospitalar e dos Serviços Farmacêuticos das Empresas de Saúde, as palavras que me dirigiu em nome de todos vós. Obrigado! Viestes de toda a Itália para o vosso Congresso, em representação de diferentes realidades. O Congresso é, antes de mais nada, ocasião de confronto para vós, mas é também uma oportunidade para confirmar a importância do sistema nacional de saúde pública, elemento imprescindível para garantir o bem comum e o crescimento social de um país. E tudo isto no contexto da pandemia, que mudou e mudará o modo de programar, organizar e gerir a assistência médica e a saúde. A este propósito, gostaria de vos indicar três caminhos nos quais continuar os vossos esforços.
Para o primeiro, inspiro-me na figura do hospedeiro, na parábola do bom Samaritano: é-lhe pedido que acolha o ferido e cuide dele até que o samaritano volte (cf. Lc 10, 35). Neste personagem podemos ver dois aspetos significativos do trabalho do farmacêutico hospitalar: a rotina diária e o serviço escondido. São aspetos comuns de muitos outros trabalhos, que requerem paciência, constância e precisão, e que não recebem a gratificação da aparência, têm pouca visibilidade. A rotina diária e o serviço escondido não têm visibilidade, digamos assim, têm pouca visibilidade. Precisamente por isso, se forem acompanhados pela oração e o amor, geram a “santidade da vida diária”. Pois sem oração e sem amor — como bem sabeis — esta rotina torna-se árida. Mas com amor e oração, leva à santidade “da porta ao lado”: santos anónimos que estão em toda a parte, porque fazem bem o que devem fazer.
O segundo caminho diz respeito à dimensão específica do farmacêutico hospitalar, nomeadamente o seu profissionalismo, a sua especialização pós-graduação. Com o clínico, é o farmacêutico hospitalar que investiga, experimenta, propõe percursos novos; sempre em contacto imediato com o paciente. Trata-se da capacidade de compreender a doença e o doente, de personalizar os medicamentos e as dosagens, confrontando-se às vezes com as situações clínicas mais complexas. Com efeito, o farmacêutico é capaz de ter em consideração os efeitos globais, que são mais do que a simples soma dos medicamentos individuais para as diferentes patologias. Às vezes — de acordo com as estruturas — verifica-se um encontro com a pessoa doente, outras vezes a farmácia hospitalar constitui um dos departamentos invisíveis que faz com que tudo funcione, mas a destinatária dos vossos cuidados é sempre a pessoa.
O terceiro caminho refere-se à dimensão ética da profissão, sob dois aspetos: o pessoal e o social.
A nível individual, o farmacêutico, cada um de vós, utiliza substâncias medicinais que contudo podem transformar-se em venenos. Aqui, trata-se de exercer uma vigilância constante, para que a finalidade seja sempre a vida do paciente na sua integralidade. Estais sempre ao serviço da vida humana. Em certos casos, isto pode levar à objeção de consciência, que não é infidelidade mas, pelo contrário, fidelidade à vossa profissão, se for validamente motivada. Hoje está um pouco na moda pensar que talvez fosse bom eliminar a objeção de consciência. Mas vede, trata-se da intimidade ética de cada profissional da saúde e isto nunca deve ser negociado, é precisamente a responsabilidade última dos profissionais da saúde. É também denúncia das injustiças cometidas em detrimento da vida inocente e indefesa.1 É um tema muito delicado, que exige grande competência e ao mesmo tempo grande retidão. Em particular, também recentemente tive ocasião de voltar a falar sobre o aborto.2 Como bem sabeis, sou muito claro a respeito disto: trata-se de um homicídio e não é lícito tornar-se seu cúmplice. Dito isto, o nosso dever é a proximidade, o nosso dever positivo: estar próximos das situações, especialmente das mulheres, para que não cheguem a pensar na solução do aborto, pois na realidade não é a solução. Depois de dez, vinte, trinta anos, a vida apresenta-te a conta. E é preciso estar num confessionário para compreender o preço, deveras alto, disto.
Este é o nível ético pessoal. Depois há o nível de justiça social, que é muito importante: «As estratégias de saúde, destinadas à busca da justiça e do bem comum, devem ser económica e eticamente sustentáveis».3 Sem dúvida, no Serviço Nacional de Saúde italiano, grande espaço é ocupado pela universalidade do acesso aos cuidados, mas o farmacêutico — inclusive nas hierarquias de gestão e administração — não é um mero executor. Por conseguinte, os critérios de gestão e financeiros não constituem o único elemento a considerar. A cultura do descarte não deve prejudicar a vossa profissão. E também aqui é preciso estar sempre vigilante. «Deus, nosso Pai, confiou a tarefa de conservar a terra não ao dinheiro, mas a nós: aos homens e às mulheres; somos nós que temos esta tarefa! No entanto, homens e mulheres são sacrificados aos ídolos do lucro e do consumo: é a “cultura do descarte”».4 Inclusive no caso dos idosos: dar metade dos medicamentos e assim abrevia-se a vida... É um descarte, sim! Esta observação, originariamente referida ao meio ambiente, é ainda mais válida para a saúde do ser humano.
A gestão dos recursos e a atenção a não desperdiçar o que é confiado às mãos de cada farmacêutico assumem um significado que não é apenas económico mas ético, aliás, diria humano, muito humano! Prestemos atenção aos detalhes, à compra e à conservação dos produtos, ao uso correto e ao seu destino àqueles que necessitam urgentemente deles. Pensemos na relação com os vários agentes — os chefes de enfermaria, os enfermeiros, os médicos e os anestesistas — e com todas as estruturas envolvidas.
Agradeço-vos esta visita e desejo que possais ir em frente na vossa profissão tão humana, tão digna, tão grande e muitas vezes tão silenciosa que ninguém repara. Muito obrigado! Deus abençoe todos vós. E orai por mim!
1 Cf. Pontifício Conselho para a Pastoral no Campo da Saúde, Nova Carta dos Profissionais da Saúde (2017), n. 60.
2 Cf. Conferência de imprensa durante o voo de regresso de Bratislava (15 de setembro de 2021).
3 Pontifício Conselho para a Pastoral no Campo da Saúde, Nova Carta dos Profissionais da Saúde (2017), n. 92.
4 Audiência geral, 5 de junho de 2013.