· Cidade do Vaticano ·

Na mensagem à Fao Francisco invocou uma passagem da lógica do mercado à lógica da solidariedade

Todos têm direito a uma alimentação sustentável e acessível

19 outubro 2021

Derrotar a fome é «um dos maiores desafios da humanidade»: para a vencer é necessário «superar a lógica fria do mercado» para reforçar «a lógica da solidariedade», escreveu o Papa Francisco numa mensagem enviada ao diretor-geral da Fao, Qu Dongyu, para o Dia mundial da alimentação, que se celebrou a 16 de outubro. O texto foi lido pelo observador permanente, Mons. Fernando Chica Arellano durante a cerimónia realizada em Roma na manhã de 15 de outubro.

A Sua Excelência
Qu Dongyu
Diretor-Geral da fao
Excelência!

A celebração anual do Dia Mundial da Alimentação confronta-nos com um dos maiores desafios da humanidade: derrotar a fome de uma vez por todas é um objetivo ambicioso. A Cimeira dos Sistemas Alimentares das Nações Unidas em Nova Iorque, a 23 de setembro, destacou o imperativo de adotar soluções inovadoras que possam transformar a forma como produzimos e consumimos alimentos para o bem-estar das pessoas e do planeta. Isto é imperativo para acelerar a recuperação pós-pandémica, combater a insegurança alimentar e fazer progressos no sentido de alcançar todos os Objetivos da Agenda 2030.

O tema proposto pela fao este ano, «As nossas ações são o nosso futuro. Melhor produção, melhor nutrição, melhor meio ambiente e melhor vida», frisa a necessidade de uma ação conjunta para assegurar que todos tenham acesso a alimentos que sejam ambientalmente sustentáveis, adequados e a um preço acessível. Cada um de nós tem um papel a desempenhar na transformação dos sistemas alimentares em benefício das pessoas e do planeta, e «todos podemos colaborar [...] no cuidado da criação, cada um com a própria cultura e experiência, iniciativas e capacidades» (Carta Encíclica Laudato si’, n. 14).

Assistimos atualmente a um verdadeiro paradoxo em termos de acesso aos alimentos: por um lado, mais de três biliões de pessoas não têm acesso a uma dieta nutritiva, enquanto, por outro, quase dois biliões de pessoas têm excesso de peso ou são obesas devido a uma má alimentação e a um estilo de vida sedentário. Se não quisermos pôr em perigo a saúde do nosso planeta e de toda a nossa população, devemos encorajar a participação ativa na mudança a todos os níveis e reorganizar os sistemas alimentares como um todo.

Gostaria de salientar quatro áreas onde é urgente agir: nos campos, no mar, à mesa e na redução das perdas e desperdícios alimentares. Os nossos estilos de vida e práticas diárias de consumo atingem a dinâmica global e ambiental, mas se aspiramos a uma mudança real, devemos exortar os produtores e consumidores a tomar decisões éticas e sustentáveis e sensibilizar as gerações mais jovens para a importante tarefa que têm de desempenhar para tornar um mundo sem fome uma realidade. Cada um de nós pode contribuir para esta nobre causa, a começar pela nossa vida quotidiana e pelos gestos mais simples. Conhecer a nossa Casa comum, protegê-la e estar conscientes da sua importância é o primeiro passo para ser guardiães e promotores do meio ambiente.

A pandemia dá-nos a oportunidade de mudar de rumo e investir num sistema alimentar global que possa lidar de forma sensata e responsável com crises futuras. A este respeito, a valiosa contribuição dos pequenos produtores é crucial; precisamos de facilitar o seu acesso à inovação que, aplicada ao sector agroalimentar, pode reforçar a resistência às alterações climáticas, aumentar a produção alimentar e apoiar aqueles que trabalham na cadeia de valor alimentar.

A luta contra a fome exige a superação da lógica fria do mercado, concentrada avidamente no mero benefício económico e na redução dos alimentos a uma mercadoria entre muitas, e no reforço da lógica da solidariedade.

Senhor Diretor-Geral, a Santa Sé e a Igreja católica caminham com a fao e as outras entidades e pessoas que fazem o melhor que podem para garantir que nenhum ser humano veja os seus direitos fundamentais violados ou ignorados. Que todos aqueles que lançam sementes de esperança e harmonia sintam o apoio da minha oração para que as suas iniciativas e projetos possam ser cada vez mais fecundos e eficazes. Com estes sentimentos, invoco sobre vós e sobre quantos combatem com empenho e generosidade a miséria e a fome no mundo a Bênção de Deus Todo-Poderoso.

Vaticano, 15 de outubro de 2021

Francisco