· Cidade do Vaticano ·

Mensagem do Papa aos participantes no G20 Interfaith Forum de 2021

O caminho da paz não são as armas mas a justiça

 O caminho da paz não são as armas mas a justiça  POR-039
28 setembro 2021

«O caminho para a paz não se encontra nas armas, mas na justiça», afirmou o Papa Francisco na mensagem enviada aos participantes no G20 Interfaith Forum de 2021, que teve lugar em Bolonha (Itália), de 12 a 14 de setembro sobre o tema: «Time to Heal — Peace among cultures, understanding between religions».

Dirijo uma cordial saudação aos Participantes no G20 Interfaith Forum, que este ano se realiza em Bolonha. Conservo uma memória viva da minha visita à Cidade caraterizada, entre outras coisas, pela antiga Universidade, «que sempre a tornou aberta, educando cidadãos do mundo e recordando que a identidade à qual se pertence é a da casa comum, da universitas» (Encontro com os estudantes e o mundo académico, 1 de outubro de 2017). É bom que vos tenhais reunido precisamente com a intenção de superar os particularismos e compartilhar ideias e esperanças: juntos, autoridades religiosas, líderes políticos e representantes do mundo da cultura, dialogai para promover o acesso a direitos fundamentais, antes de tudo a liberdade religiosa, e para cultivar fermentos de unidade e de reconciliação onde guerra e ódio semearam morte e mentiras.

Nisto, o papel das religiões é realmente essencial. Gostaria de reiterar que se quisermos preservar a fraternidade na Terra, «não podemos perder de vista o Céu». Contudo, devemos ajudar-nos a libertar o horizonte do sagrado das nuvens obscuras da violência e do fundamentalismo, fortalecendo-nos na convicção de que «o Além de Deus nos envia mais além de nós, ao Outro, ao irmão» (Discurso por ocasião do Encontro inter-religioso, Ur, 6 de março de 2021). Sim, a verdadeira religiosidade consiste em adorar a Deus e amar o próximo. E nós, crentes, não podemos isentar-nos destas escolhas religiosas essenciais: mais do que demonstrar algo, somos chamados a mostrar a presença paterna do Deus celeste através da nossa concórdia na terra.

No entanto, hoje infelizmente este parece ser um sonho longínquo. No âmbito religioso, ao contrário, parece que está em curso uma deletéria “mudança climática”: para além das mudanças prejudiciais que atingem a saúde da Terra, nossa casa comum, há outras que “ameaçam o Céu”. É como se aumentasse “a temperatura” da religiosidade. Basta pensar no surto da violência que instrumentaliza o sagrado: nos últimos 40 anos houve quase 3.000 atentados e cerca de 5.000 assassinatos em vários lugares de culto, naqueles espaços, ou seja, que deveriam ser tutelados como oásis de sacralidade e de fraternidade. Além disso, para quem blasfema o santo nome de Deus, perseguindo os irmãos, é demasiado fácil encontrar financiamentos. Ainda se difunde de modo muitas vezes incontrolado a pregação incendiária de quem, em nome de um falso deus, incita ao ódio. O que podemos fazer diante de tudo isto?

Como responsáveis religiosos, acredito que antes de mais devemos servir a verdade e declarar sem medo ou dissimular o mal quando é mal, até e especialmente quando é cometido por quem se professa seguidor do nosso próprio credo. Além disso devemos ajudar-nos, todos juntos, a combater o analfabetismo religioso que perpassa todas as culturas: é uma ignorância generalizada, que reduz a experiência da crença a dimensões rudimentares do humano, seduzindo almas vulneráveis a aderir a slogans fundamentalistas. Mas não é suficiente combater: acima de tudo, é preciso educar, promovendo um desenvolvimento equitativo, solidário e integral, que aumente as oportunidades de escolarização e de educação, pois onde reinam a pobreza e a ignorância, a violência fundamentalista ganha raízes mais facilmente.

Certamente, deve ser encorajada a proposta de instituir uma memória comum das pessoas que foram assassinadas em todos os lugares de oração. Na Bíblia, em resposta ao ódio de Caim, que acreditava em Deus e, contudo, matou o irmão, fazendo subir da terra a voz do seu sangue, a pergunta veio do Céu: «Onde está o teu irmão?» (Gn 4, 9). A resposta religiosa autêntica ao fratricídio é a busca do irmão. Preservemos juntos a memória comum dos nossos irmãos e irmãs que sofreram violências; ajudemo-nos com palavras e gestos concretos a contrastar o ódio que quer dividir a família humana!

Os crentes não podem combatê-lo com a violência das armas, que só gera mais violência, numa interminável espiral de retaliações e vinganças. Ao contrário, é profícuo o que desejais afirmar nestes dias: “Não nos mataremos, socorrer-nos-emos, perdoar-nos-emos”. São compromissos que exigem condições difíceis — não há desarmamento sem coragem, não há socorro sem gratuidade, não há perdão sem verdade — mas que constituem o único caminho possível para a paz. Sim, pois o caminho da paz não se encontra nas armas, mas na justiça. E nós, líderes religiosos, somos os primeiros a dever apoiar tais processos, testemunhando que a capacidade de combater o mal não reside nas proclamações, mas na oração; não na vingança, mas na concórdia; não nos atalhos ditados pelo uso da força, mas na força paciente e construtiva da solidariedade. Pois somente isto é verdadeiramente digno do homem. E porque Deus não é o Deus da guerra, mas da paz.

Paz, uma palavra-chave no atual cenário internacional. Uma palavra diante da qual «não podemos ser indiferentes nem neutros». Repito: «Não neutros, mas alinhados em prol da paz! Por isso invoquemos o ius pacis, como direito de todos a resolver os conflitos sem violência. Portanto, repitamos: nunca mais a guerra, nunca mais contra os outros, nunca mais sem os outros! Venham à luz os interesses e os enredos, muitas vezes obscuros, de quem fabrica violência, alimentando a corrida às armas e espezinhando a paz com os negócios» (Encontro, cit.). Paz: um “quarto p” que se propõe acrescentar a people, planet, prosperity, na esperança de que a agenda do próximo G20 a tenha em consideração, numa ótica tão ampla e partilhada quanto possível, pois só em conjunto poderemos enfrentar problemas que, na interligação atual, já não dizem respeito a ninguém, mas a todos. Penso também no clima e nas migrações. Realmente, já não é tempo para alianças de uns contra os outros, mas para a busca comum de soluções para os problemas de todos. Os jovens e a história irão julgar-nos sobre isto. E vós, caros amigos, estais reunidos com este objetivo. Portanto, agradeço-vos de coração e encorajo-vos, acompanhando-vos com a minha oração e invocando a bênção do Altíssimo sobre cada um de vós.

Francisco