Publicamos a seguir o texto do discurso que o Papa Francisco dirigiu aos participantes no capítulo geral dos Missionários Filhos do Imaculado Coração da Bem-Aventurada Virgem Maria (Claretianos), recebidos em audiência no dia 9 de setembro, na sala Clementina.
Estimados irmãos!
É para mim uma grande alegria receber o vosso Capítulo Geral, e é verdade, é uma alegria. Nele participam irmãos missionários provenientes do mundo inteiro, em representação dos quase três mil claretianos que formam o Instituto. Obrigado por terdes vindo a este encontro. Estou grato ao Cardeal Aquilino Bocos Merino pela sua presença e à Irmã Yolanda Kafka pela sua ajuda. Esta mulher pode ajudar muito, uma vez eu disse-lhe: “Referiram-me que você fala muitas línguas” e ela respondeu-me: “Mas não sei se falo a língua de Deus”. Descreve-a perfeitamente.
Felicito o padre Mathew Vattamattam, a quem os capitulares renovaram a própria confiança voltando a elegê-lo Superior-Geral. Além dele, saúdo os irmãos que foram eleitos para formar o novo governo do Instituto. Quem são? Que para eles seja leve! Que o Espírito do Senhor esteja sobre vós em todos os momentos a fim de que, como missionários, possais anunciar a Boa Nova aos pobres (cf. Lc 4, 19) e a quantos têm fome da palavra salvífica (cf. Is 55, 10-11).
O tema do Capítulo é “Arraigados e audazes”. Arraigados em Jesus. Isto pressupõe uma vida de oração e de contemplação que vos leve a poder dizer como Job: «Eu tinha ouvido falar de ti, mas agora os meus olhos viram-te» (42, 5). E é triste quando encontramos consagradas, consagrados, que só conhecem por ter ouvido dizer, e encontrei-me muitas vezes em outside no exame de consciência, quando me dei conta de não me ter deixado procurar na oração, de ter perdido tempo diante o Senhor, de não ter permitido que os meus olhos o vissem. Isto pode ajudar-nos. Uma vida de oração e de contemplação que vos permita falar, como amigos, diretamente com o Senhor (cf. Êx 33, 11). Uma vida de oração e de contemplação que vos permita contemplar o Espelho, que é Cristo, para vos tornardes, vós próprios, espelhos para os demais. E isto é sim ou sim. “É que tenho muito para fazer, muito trabalho”. Olha, a primeira coisa que deves fazer é fitar quem te enviou para trabalhar e deixar que ele olhe para ti. “Mas aborreço o tempo todo”. Então, resolve os problemas do tédio na oração com quem corresponde, mas sem a oração não adianta, é muito simples, digamo-lo!
Sois missionários: se quiserdes que a vossa missão seja verdadeiramente frutuosa, não podeis separar a missão da contemplação e de uma vida de intimidade com o Senhor. Se quiserdes ser testemunhas, não podeis deixar de ser adoradores. Testemunhas e adoradores são duas palavras que se encontram no âmago do Evangelho: «[Ele] chamou-os... para estar em sua companhia. Enviá-los-ia a pregar» (Mc 3, 14-15). Duas dimensões que se alimentam reciprocamente, que não podem existir uma sem a outra.
«Um Filho do Imaculado Coração de Maria é uma pessoa que arde de caridade e queima por onde quer que passe», dizem as vossas Constituições Gerais, citando o padre Claret (n. 9). Deixai-vos arder pelo Senhor, pelo seu amor, para poderdes ser incendiários por onde passardes, com o fogo do amor divino. Seja Ele a vossa única segurança. E isto permitir-vos-á ser homens de esperança, da esperança que não desilude (cf. Rm 5, 5), da esperança que não conhece receios, pois sabe que é na nossa fragilidade que se manifesta a força de Deus (cf. 2 Cor 12, 9). Se nunca estivermos conscientes da fragilidade e formos os Tarzans do apostolado, os invencíveis, a força de Deus nunca conseguirá manifestar-se, e o Senhor dir-nos-á: então desenrasca-te, é isto que nos acontecerá. Citando mais uma vez as vossas Constituições, digo-vos: «Não vos deixeis assustar por nada». Foi isto que Jesus disse: não tenhais medo, não tenhais medo. Não tenhais medo das vossas fragilidades; como é bom quando uma consagrada, um consagrado, se sente frágil, porque sente a necessidade de pedir ajuda. Não se deve ter medo disso; ao contrário, tende medo de cair na “esquizofrenia” espiritual, na mundanidade espiritual que vos levaria a confiar unicamente nas vossas “carroças” e nos vossos “cavalos”, a confiar nas vossas forças, e a pensar que sois os melhores, a procurar às vezes de modo obsessivo o bem-estar, o poder (cf. Evangelii gaudium, n. 93). É muito difícil não se adaptar à lógica do mundo, dado que o mundo nos invade, não é verdade? E a mundanidade espiritual é terrível, porque te transforma interiormente. Fiquei muito impressionado quando li as Meditações sobre a Igreja, do padre de Lubac, as últimas quatro páginas, onde fala do drama da mundanidade espiritual e diz mais ou menos — procurai-o e vereis exatamente o que ele diz — que é o pior mal que pode acontecer à Igreja, pior ainda do que os Papas concubinários. Não é simples? Cuidado com a mundanidade espiritual, que nos leva a confiar nas forças, a acreditar que somos os melhores, a procurar a riqueza ou o poder de modo obsessivo. Não vos conformeis com esta lógica mundana que levará o Evangelho, Jesus, a deixar de ser o critério que orienta as vossas vidas e as vossas escolhas missionárias. Não podeis conviver com o espírito do mundo e pretender servir o Senhor. Orientai a vossa existência de acordo com os valores do Evangelho. Mas nunca useis o Evangelho de maneira instrumental, como ideologia, mas ao contrário como vade-mécum, deixando-vos guiar sempre pelas opções do Evangelho e pelo desejo ardente de «seguir Jesus e imitá-lo na oração, na labuta... e procurando sempre e unicamente a glória de Deus e a salvação das almas». Assim dizia o padre Claret. Fundamentai a vossa vida em Cristo, e São Paulo, que a tinha fundado em Cristo, podia dizer: «Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim!» (Gl 2, 20).
Esta orientação tornar-vos-á audazes na missão, dotados de audácia missionária, assim como audaz foi a missão do padre Claret e dos primeiros missionários que se uniram a ele. A vida consagrada exige audácia e precisa de anciãos que resistam ao envelhecimento da vida e de jovens que resistam ao envelhecimento da alma. Dizendo-o um pouco na linguagem de todos os dias, não vos acomodeis!
Esta convicção levar-vos-á a sair, a pôr-vos a caminho e a ir onde ninguém quer ir, onde é necessária a luz do Evangelho, e a trabalhar, lado a lado, com o povo. A vossa missão não pode ser “à distância”, mas de vizinhança, de proximidade. Não vos esqueçais qual é o estilo de Deus: proximidade, compaixão e ternura. Assim agiu Deus desde o tempo em que escolheu o seu povo até aos dias de hoje. Proximidade, compaixão e ternura. Na missão não podeis contentar-vos com olhar da janela, observar com curiosidade, de longe. Podemos olhar da janela para a realidade ou esforçar-nos para a mudar. É preciso escolher. A exemplo do padre Claret, não podeis ser simples espetadores da realidade. Participai nela, a fim de transformar as realidades do pecado que encontrardes ao longo do caminho. E proximidade, compaixão e ternura. Não sejais passivos perante os dramas que vivem muitos dos nossos contemporâneos, mas comprometei-vos até ao fundo na luta pela dignidade humana, comprometei-vos até ao fundo no respeito pelos direitos fundamentais da pessoa. Como conseguir isto? Deixai-vos tocar pela Palavra de Deus e pelos sinais dos tempos, e voltai a ler a vossa história à luz da Palavra e dos sinais dos tempos, é importante, voltai a ler o vosso carisma, recordando que a vida consagrada é como a água, se não fluir, apodrecerá. Fazendo memória deuteronómica do passado, reconquistai a seiva do carisma. Isto fará da vossa vida uma vida profética, que também tornará possível despertar e iluminar as pessoas.
Que a Palavra e os sinais dos tempos nos despertem de tanto torpor e de tantos receios que, se não prestarmos atenção, nos impedem de viver à altura dos tempos e das circunstâncias que exigem uma vida consagrada audaz e corajosa, uma vida religiosa livre, libertada e libertadora, precisamente a partir da nossa precariedade. Alguém pode dizer: “Padre, isto é demasiado estoico, é demasiado austero”, não é verdade? Então vem um pouco à mente a formulação do tratado sobre as virtudes, do padre Rodríguez, mas não é assim, e por isso, para não cairdes nesta austeridade árida, por favor, não percais o sentido de humor. Sabei rir em comunidade, sabei contar piadas e rir das piadas que os outros contam, não percais o sentido de humor; o sentido de humor é uma graça de alegria e a alegria é uma dimensão da santidade.
Caros irmãos, espero que este Capítulo que estais prestes a concluir, e no qual “condenastes” pela segunda vez o superior-geral, vos ajude a concentrar-vos no essencial: Jesus; a colocar a vossa segurança n’Ele e só n’Ele, que é todo o bem, que é o sumo bem, a verdadeira segurança. Acho que este poderia ser um dos melhores frutos desta pandemia, que pôs em discussão muitas das nossas falsas seguranças. Espero também que o Capítulo vos tenha levado a concentrar-vos nos elementos essenciais que hoje definem a vida consagrada: a consagração, que valorize a relação com Deus; a vida fraterna em comunidade, que dê prioridade à relação autêntica com os irmãos; e a missão, que vos leve a sair, a “desconcentrar-vos” para ir ao encontro dos outros, especialmente dos pobres, para os levar a Jesus.
Não quero terminar sem vos agradecer toda a labuta apostólica e toda a reflexão sobre a vida consagrada, que realizastes ao longo destes anos. Continuai, e que o Espírito vos guie nesta nobre tarefa.
Concedo de coração a Bênção a todos vós e a todos os irmãos e membros da família claretiana. E por favor, peço-vos seriamente, não vos esqueçais de rezar por mim. Pois se eu não suplicar orações, estarei perdido. Obrigado!