Pela primeira vez o Papa Francisco, o patriarca de Constantinopla, Bartolomeu, e o arcebispo de Canterbury, Justin Welby, unem as suas vozes para lançar um apelo urgente a favor da sustentabilidade ambiental, da luta contra a pobreza e da cooperação internacional, convidando os líderes mundiais, que se reunirão em Glasgow em novembro próximo na Cop26, a fazer escolhas conscientes «para o futuro do planeta e dos seus habitantes». O apelo está contido na mensagem conjunta divulgada a 7 de setembro, por ocasião do Tempo da Criação, que se celebra todos os anos de 1 de setembro a 4 de outubro. Publicamos a seguir o texto da mensagem.
Uma mensagem conjunta para o cuidado da criação
Por mais de um ano todos nós experimentamos os efeitos devastadores de uma pandemia global, todos, pobres ou ricos, fracos ou fortes. Alguns foram mais protegidos ou mais vulneráveis do que outros, mas a rápida propagação da infeção implicou a dependência uns dos outros nos nossos esforços para nos mantermos em segurança. Compreendemos que, enfrentando esta calamidade global, ninguém está seguro enquanto todos não estiverem seguros, que as nossas ações realmente influenciam os outros e que quanto fazemos hoje influencia o que acontecerá amanhã.
Não se trata de lições novas, mas tivemos que as enfrentar de novo. Não desperdicemos este momento! Temos que decidir que tipo de mundo queremos deixar às gerações vindouras. Deus ordena: «Escolhe, pois, a vida, para que vivas com a tua posteridade» (Dt 30, 19). Devemos escolher viver de maneira diferente; devemos escolher a vida.
Setembro é celebrado por muitos cristãos como Tempo da Criação, uma oportunidade para rezar e cuidar da criação de Deus. Enquanto os líderes mundiais se preparam para se encontrar em Glasgow, em novembro, para deliberar sobre o futuro do nosso planeta, oremos por eles e reflitamos sobre as escolhas que todos nós devemos fazer. Por isso, como guias das nossas Igrejas, exortamos todos, independentemente da sua fé ou visão do mundo, a procurar ouvir o clamor da terra e das pessoas pobres, examinando o próprio comportamento e comprometendo-se a fazer sacrifícios significativos para o bem da terra que Deus nos concedeu.
A importância
da sustentabilidade
Na nossa comum tradição cristã, as Escrituras e os santos oferecem perspetivas esclarecedoras para compreender tanto as realidades do presente como a promessa de algo maior do que aquilo que vivemos no presente. O conceito de preservação — de responsabilidade individual e coletiva pelos dons que Deus nos confiou — constitui um ponto de partida essencial para a sustentabilidade social, económica e ambiental. No Novo Testamento lemos sobre o homem rico e insensato que acumula uma grande abundância de trigo, esquecendo-se de que a sua vida é limitada (Lc 12, 13-21). Ouvimos falar sobre o filho pródigo, que recebe antes a sua herança só para a esbanjar e acabar por passar fome (Lc 15, 11-32). Somos alertados a não fazer opções a curto prazo, aparentemente pouco onerosas, a não construir na areia, mas na rocha, para que a nossa casa comum resista às tempestades (Mt 7, 24-27). Tais narrações convidam-nos a adotar uma visão mais ampla, reconhecendo o nosso lugar na longa história da humanidade.
Mas seguimos a direção oposta. Maximizamos os nossos próprios interesses em detrimento das gerações futuras. Concentrando-nos na nossa riqueza, descobrimos que os bens a longo prazo, entre os quais a abundância da natureza, são consumidos para obter vantagens a curto prazo. A tecnologia abriu novas possibilidades de progresso, mas também de acumulação de riqueza ilimitada, e muitos comportam-se de maneiras que demonstram escassa preocupação com as outras pessoas ou com os limites do planeta. A natureza é resiliente, e, contudo, delicada. Já assistimos às consequências da nossa rejeição em protegê-la e preservá-la (Gn 2, 15). Pois bem, neste momento temos a oportunidade de nos arrependermos, de caminharmos com determinação na direção oposta. Devemos perseguir a generosidade e a retidão no nosso modo de viver, trabalhar e usar o dinheiro e não o lucro egoísta.
O impacto sobre as pessoas que convivem
com a pobreza
A atual crise climática diz muito sobre quem somos e como vemos e tratamos a criação de Deus. Encontramo-nos diante de uma justiça severa: perda de biodiversidade, degradação ambiental e mudanças climáticas são as consequências inevitáveis das nossas ações, pois consumimos avidamente mais recursos da Terra do que o planeta pode suportar. Mas também estamos diante de uma profunda injustiça: as pessoas que sofrem as consequências mais catastróficas de tais abusos são as mais pobres do planeta e que tiveram menos responsabilidade em causá-las. Servimos um Deus de justiça, que se compraz na criação e cria cada pessoa à Sua imagem, mas que também ouve o grito das pessoas pobres. Portanto, em nós existe uma chamada inata a responder com angústia, quando vemos esta injustiça devastadora.
Hoje pagamos o preço disso. Os desastres atmosféricos e naturais extremos dos últimos meses revelam-nos mais uma vez com grande força e enorme custo humano que as mudanças climáticas não são apenas um desafio futuro, mas também uma questão de sobrevivência imediata e urgente. Inundações, incêndios e secas difundidas ameaçam continentes inteiros. O nível dos mares aumenta, forçando comunidades inteiras a transferir-se; furacões devastam regiões inteiras, arruinando vidas e meios de subsistência. A água tornou-se escassa e o abastecimento alimentar é incerto, causando conflitos e deslocações para milhões de pessoas. Já o vimos em lugares onde as pessoas dependem de propriedades agrícolas de pequena escala. Hoje vemo-lo nos países mais industrializados, onde até as infraestruturas sofisticadas não conseguem impedir completamente a destruição extraordinária.
Amanhã poderia ser pior. As crianças e os adolescentes de hoje enfrentarão consequências catastróficas, se não assumirmos agora a responsabilidade, como «colaboradores de Deus» (Gn 2, 4-7), de sustentar o nosso mundo. Frequentemente ouvimos falar de jovens que compreendem que o seu futuro está ameaçado. Para o bem deles, devemos optar por comer, viajar, gastar, investir e viver de modo diferente, pensando não apenas no interesse e nos lucros imediatos, mas também nos benefícios futuros. Arrependamo-nos dos pecados da nossa geração. Permaneçamos ao lado dos nossos irmãos e irmãs mais jovens no mundo inteiro, em devota oração e ação comprometida, por um futuro que corresponda cada vez mais às promessas de Deus.
O imperativo da cooperação
Durante a pandemia, compreendemos como somos vulneráveis! Os nossos sistemas sociais cederam e descobrimos que não podemos controlar tudo. Devemos reconhecer que o nosso modo de usar o dinheiro e organizar as nossas sociedades não beneficiaram todos. Somos fracos e ansiosos, submersos por uma série de crises: sanitária, ambiental, alimentar, económica e social, todas profundamente interligadas.
Estas crises colocam-nos diante de uma escolha. Estamos na singular posição de decidir se enfrentá-las com pouca clarividência, e especulando, ou se aproveitá-las como uma oportunidade de conversão e transformação. Se pensarmos na humanidade como uma família e trabalharmos juntos por um futuro assente no bem comum, poderemos viver num mundo muito diferente. Juntos podemos compartilhar uma visão da vida em que todos prosperam. Juntos podemos optar por agir com amor, justiça e misericórdia. Juntos podemos caminhar rumo a uma sociedade mais justa e gratificante, pondo no centro os mais vulneráveis.
Mas isto exige mudanças. Cada um de nós, individualmente, deve assumir a responsabilidade pelo modo de usar os nossos recursos. Este caminho requer uma colaboração cada vez mais estreita entre todas as Igrejas no seu compromisso de cuidar da criação. Juntos, como comunidades, Igrejas, cidades e nações, devemos mudar de rumo e descobrir novas maneiras de colaborar para abater as barreiras tradicionais entre os povos, deixar de competir pelos recursos e começar a cooperar.
A quem tem maiores responsabilidades — na chefia de administrações, gerindo empresas, empregando pessoas ou investindo fundos — dizemos: escolhei lucros centrados nas pessoas; fazei sacrifícios a curto prazo para salvaguardar o futuro de todos nós; tornai-vos líderes na transição para economias justas e sustentáveis. «A quem muito foi dado, muito será exigido» (Lc 12, 48).
Esta é a primeira vez que nós três nos sentimos obrigados a enfrentar juntos a urgência da sustentabilidade ambiental, o seu impacto sobre a pobreza persistente e a importância da cooperação mundial. Juntos, em nome das nossas comunidades, dirigimo-nos ao coração e à mente de cada cristão, de cada crente e de cada pessoa de boa vontade. Oremos pelos nossos líderes, que se reunirão em Glasgow para decidir o futuro do nosso planeta e dos seus habitantes. Mais uma vez recordemos a Escritura: «Escolhe, pois, a vida, para que vivas com a tua posteridade» (Dt 30, 19). Escolher a vida significa fazer sacrifícios e exercer o autocontrole.
Todos nós — quem quer que seja e onde quer que nos encontremos — podemos desempenhar um papel na modificação da nossa resposta coletiva à ameaça sem precedentes das mudanças climáticas e da degradação ambiental.
Cuidar da criação de Deus é um mandato espiritual, que exige uma resposta de compromisso. Este é um momento crítico! Dele dependem o futuro dos nossos filhos e da nossa casa comum.
1 de setembro de 2021.