O Papa Francisco partiu de Roma para Budapeste na manhã de domingo, 5 de setembro. Acompanharam-no nesta viagem, entre outros, os cardeais Pietro Parolin, secretário de Estado; Leonardo Sandri, prefeito da Congregação para as Igrejas orientais; e Miguel Ángel Ayuso Guixot, presidente do pontifício Conselho para o diálogo inter-religioso; D. Edgar Peña Parra, substituto da Secretaria de Estado; D. Paul Richard Gallagher, secretário para as relações com os Estados; o jesuíta Antonio Spadaro, diretor de «La Civiltà Cattolica»; o prefeito do Dicastério para a comunicação, Paolo Ruffini, com o diretor editorial, Andrea Tornielli; o diretor da sala de Imprensa da Santa Sé, Matteo Bruni; e o diretor de «L'Osservatore Romano», Andrea Monda. Uniram-se ao séquito papal em Budapeste, entre outros, o cardeal Péter Erdő, arcebispo de Esztergom-Budapeste e primaz da Hungria; e o núncio apostólico, D. Michael A. Blume. No aeroporto internacional da capital húngara tiveram lugar uma breve cerimónia de boas-vindas e a apresentação das delegações. Em seguida, o Papa transferiu-se de carro para a sede do museu de belas-artes de Budapeste onde, na sala renascentista, teve lugar o encontro com os membros da Conferência episcopal. Após a saudação do presidente do episcopado, D. András Veres, bispo de Győr, o Pontífice pronunciou o seguinte discurso.
Queridos Irmãos no Episcopado
bom dia!
Estou muito feliz por me encontrar aqui no vosso meio por ocasião do encerramento do lii Congresso Eucarístico Internacional. Agradeço a D. András Veres as boas-vindas que me dirigiu e também pelo presente que me ofereceu em nome de vós todos: é muito lindo! Obrigado. E saúdo a todos vós, grato pelo acolhimento e a dinamização deste evento que nos recorda a centralidade da Eucaristia na vida da Igreja.
Desejo partilhar algumas reflexões partindo precisamente do gesto eucarístico: no Pão e no Vinho, vemos Cristo que oferece o seu Corpo e o seu Sangue por nós. A Igreja na Hungria, com a sua longa história, marcada por uma fé inabalável, por perseguições e pelo sangue dos mártires, está particularmente associada ao sacrifício de Cristo. Muitos irmãos e irmãs, muitos bispos e presbíteros viveram o que celebravam no altar: foram moídos como os grãos de trigo, para que todos pudessem ser alimentados pelo amor de Deus; foram espremidos como as uvas, para que o sangue de Cristo se tornasse seiva de vida nova; foram dilacerados, mas a sua amorosa oferta foi uma semente de renascimento evangélico implantada na história deste povo.
Tendo diante dos olhos aquela história, a história passada feita de martírio e sangue, podemo-nos encaminhar para o futuro com o mesmo anseio dos mártires: viver a caridade e testemunhar o Evangelho. Na vida da Igreja, devemos manter sempre juntas estas duas realidades: preservar o passado e olhar para o futuro. Salvaguardar as nossas raízes religiosas, salvaguardar a história donde provimos, mas sem ficar com o olhar parado no passado: olhar para o futuro, olhar para a frente e encontrar novos caminhos para anunciar o Evangelho.
No coração, conservo viva a memória das Irmãs húngaras da Sociedade de Jesus (Englische Fräulein) que, por causa da perseguição religiosa, tiveram de deixar a sua pátria. Com a sua coragem pessoal e a fidelidade à vocação, fundaram o Colégio «Maria Ward» na cidade de Plátanos, perto da capital Buenos Aires. Muito aprendi com a sua fortaleza, coragem, paciência e amor à pátria; foram um testemunho para mim. Ao recordá-las aqui, hoje, presto homenagem também a tantos homens e mulheres que tiveram de ir para o exílio e quantos deram a vida pela pátria e a fé.
Como Pastores, sois chamados antes de mais nada a recordar isto ao vosso povo: a tradição cristã — como dizia Bento xvi — «não é uma coleção de objetos, de palavras, como uma caixa que contém coisas mortas; a Tradição é o rio da vida nova que vem das origens, de Cristo até nós, e envolve-nos na história de Deus com a humanidade» (Audiência Geral, 3 de maio de 2006). Escolhestes como tema do Congresso o versículo 7 do Salmo 87: «Em Ti estão todas as minhas fontes». Sim! A Igreja provém da fonte que é Cristo, sendo enviada para que o Evangelho, como um rio de água viva, infinitamente mais largo e acolhedor do que o vosso grande Danúbio, alcance a aridez do mundo e do coração do homem, purificando-o e saciando a sua sede. Assim, o ministério episcopal não existe para repetir uma notícia do passado, mas é voz profética da perene atualidade do Evangelho na vida do povo santo de Deus e na história atual.
Para realizardes esta missão, gostaria de vos deixar algumas indicações.
A primeira: ser anunciadores do Evangelho. Não esqueçamos que no centro da vida da Igreja está o encontro com Cristo. Às vezes, especialmente quando a sociedade em redor não parece entusiasta da nossa proposta cristã, a tentação é fechar-nos na defesa das instituições e estruturas. Atualmente, o vosso país está passando por grandes mudanças que de modo geral afetam toda a Europa. Com a chegada da liberdade, depois do longo período em que vos foi impedido de professar a fé, há novos desafios a enfrentar num contexto onde cresce o secularismo e definha a sede de Deus. Entretanto recordemo-nos: a fonte de água viva, que constantemente flui e sacia, é Cristo. As estruturas, as instituições, a presença da Igreja na sociedade servem apenas para despertar nas pessoas a sede de Deus e levar-lhes a água viva do Evangelho. Por isso o que se vos pede, a vós Bispos, é acima de tudo isto: não a administração burocrática das estruturas (isto seja feito por outros), nem a busca de privilégios e vantagens. Por favor, sede servos. Servidores, não príncipes. Que vos peço? A ardente paixão pelo Evangelho, tal como o Evangelho é. Fidelidade e paixão pelo Evangelho. Ser testemunhas e anunciadores da Boa Nova, difundindo a alegria, acompanhando os sacerdotes — mostrai-vos próximo dos sacerdotes — e os religiosos com coração paterno, exercitando a arte da escuta. Não tenhais medo de dar espaço à Palavra de Deus, envolvendo nisso os leigos: serão eles os canais por onde o rio da fé irrigará novamente a Hungria.
Permitam que me afaste do texto [preparado] para vos lembrar as quatro proximidades do bispo. Primeiro: a proximidade com Deus. Como irmão, pergunto: Tu rezas? Ou limitas-te a dizer o breviário? O teu coração reza? Tu reservas tempo para rezar? «Sabe?! Estou tão ocupado...». Bem, na correria de cada dia, coloca também isto: rezar. Segundo: proximidade entre vós. A fraternidade episcopal, a conferência episcopal, é uma graça. Nenhum de vós pensa as coisas de igual modo que o outro: isto é riqueza. Procurai inserir na unidade do episcopado também as diferenças e não confieis na estrada dos consórcios. Todos irmãos. Tu pensas isso diferente de mim, mas és irmão. E discute-se? Discutamos. Grita-se? Gritemos… mas como irmãos. Isto não se toca: a unidade da Conferência Episcopal. É uma graça: devemos pedi-la. É guardar o povo de Deus na unidade dos bispos. A terceira proximidade é a que já mencionei: a proximidade com os padres. O «próximo mais próximo» do bispo é o padre. Digo-vos uma coisa que muito me entristece. Encontrei, em algumas dioceses, tanto na minha pátria — quando estava lá, na diocese anterior — como agora que estou em Roma, padres que se lamentam. Difíceis; mas lamentam-se porque têm vontade, têm necessidade — dizem eles — de falar com o bispo. E muitas vezes ouvi isto: «Eu liguei e a secretária disse que ele está muito ocupado, que verificou e afirmou: talvez dentro de três semanas, reservar-te-á um quarto de hora». E o padre disse: «Não, obrigado! Assim não quero», ou então: «sim». Mas não funciona. O padre sente o bispo longe, não o sente como pai. Dou-vos um conselho, como irmão: quando regressardes ao paço episcopal depois de uma missão, depois de uma visita a uma paróquia, cansados, mas virdes o telefonema de um padre, chamai-o nesse mesmo dia ou, o mais tardar, no dia seguinte. A proximidade. E este padre, se for chamado imediatamente, saberá que tem um pai. Isto é muito importante. Proximidade com os padres, e o mesmo se diga com os religiosos. «Sabe? Este padre é difícil...» Mas diz-me: Qual é o pai que não tem um filho difícil? Todos têm. Os filhos amam-se como são, não como eu gostaria que fossem. E depois, a quarta proximidade: a proximidade com o santo povo fiel de Deus. Por favor, não vos esqueçais do vosso povo, donde o Senhor vos tirou. «Eu tomei-te de trás do rebanho»: não te esqueças do rebanho donde foste tirado. Que recomendava Paulo a Timóteo? «Lembra-te da tua mãe e da tua avó, do teu povo». O autor da Carta aos Hebreus dizia: «Lembra-te daqueles que te iniciaram na fé». Quantos catequistas humildes, quantas mulheres idosas estão por trás de nós. Que o coração esteja perto do povo. É feio quando o coração de um bispo se afasta do povo. As quatro proximidades. Creio que já fazeis um exame de consciência sobre como elas estão, mas gosto de repeti-las. Proximidade com Deus, proximidade entre vós — «vejo alguns com uma especial peculiaridade histórica, litúrgica... e outros tão diferentes!» Pois bem! Proximidade com a sua liturgia, a sua história, sem pretender tomá-los, latinizá-los... Isto não, por favor! Proximidade entre vós, proximidade com os sacerdotes e proximidade com o santo povo fiel de Deus. Para ser bispo hoje — sempre, mas insisto, hoje —, é preciso praticar a arte da escuta. E não é fácil. Não tenhais medo de dar espaço à Palavra de Deus, envolvendo nisso os leigos: serão eles os canais por onde o rio da fé irrigará novamente a Hungria.
Uma segunda indicação: ser testemunhas de fraternidade. O vosso país é um lugar onde há muito convivem pessoas provenientes de outros povos. As variadas etnias, minorias, confissões religiosas e migrantes transformaram este país num ambiente multicultural. Trata-se de uma realidade que pode, pelo menos num primeiro momento, assustar. A diversidade cria sempre um pouco de medo, porque coloca em risco seguranças adquiridas e compromete a estabilidade alcançada. Todavia é uma grande oportunidade para abrir o coração à mensagem do Evangelho: «Que vos ameis uns aos outros, como Eu vos amei» (Jo 15, 12). Face às diferenças culturais, étnicas, políticas e religiosas, podemos ter duas atitudes: fechar-nos numa defesa rígida da nossa dita identidade, ou abrir-nos ao encontro com o outro e cultivar, juntos, o sonho de uma sociedade fraterna. Apraz-me recordar aqui que em 2017, precisamente nesta capital europeia, vos encontrastes com os representantes de outras Conferências Episcopais da Europa centro-oriental e reiterastes que a pertença a uma identidade nunca deve ser motivo de hostilidade e desprezo para com os outros, mas antes uma ajuda para dialogar com culturas diversas. Dialogar, sem negociar a própria pertença.
Por cima do grande rio que atravessa esta cidade ergue-se, imponente, a Ponte das Correntes: substituiu uma frágil ponte de madeira, servindo para unir Buda e Pest. Se quisermos que o rio do Evangelho alcance a vida das pessoas, fazendo germinar uma sociedade mais fraterna e solidária também aqui na Hungria, precisamos que a Igreja construa novas pontes de diálogo. Como Bispos, peço-vos que mostreis sempre, juntamente com os sacerdotes e colaboradores pastorais, o verdadeiro rosto da Igreja: é mãe. É mãe! Um rosto acolhedor para com todos, incluindo quem provém de fora, um rosto fraterno, aberto ao diálogo. Sede pastores que têm a peito a fraternidade. Não senhores do rebanho, mas pais e irmãos. Que se torne um sinal luminoso para a Hungria o estilo da fraternidade, que vos peço para cultivardes com os sacerdotes e todo o Povo de Deus. Assim, ganhará forma uma Igreja onde especialmente os leigos se hão de tornar fermento de fraternidade evangélica em todos os âmbitos da sua vida diária, familiar, social e profissional. Que a Igreja húngara seja construtora de pontes e promotora de diálogo!
Por fim, a terceira coisa, ser construtores de esperança. Se colocarmos no centro o Evangelho e o testemunharmos com o amor fraterno, poderemos olhar para o futuro com esperança, apesar das pequenas ou grandes tempestades que tivermos de atravessar hoje. Isto constitui o que a Igreja é chamada a difundir na vida das pessoas: a apaziguadora certeza de que Deus é misericórdia, ama-nos em todos os momentos da vida e está sempre pronto a perdoar-nos e levantar-nos de novo. Não esqueçais o estilo de Deus, que é um estilo de proximidade, compaixão e ternura. Este é o estilo de Deus. Sigamos por esta estrada, com o mesmo estilo. A tentação de se deixar abater e desanimar nunca vem de Deus. Nunca. Vem do inimigo, alimentando-se em muitas situações: por trás da fachada do bem-estar, por trás de uma roupagem de tradições religiosas, podem esconder-se muitos lados sombrios. Recentemente, a Igreja na Hungria teve oportunidade de refletir como a transição da era da ditadura para a da reencontrada liberdade aparece marcada por contradições: a degradação da vida moral, o aumento da criminalidade, a comercialização da droga, o flagelo do tráfico de órgãos e tantos casos de crianças assassinadas para isso. Existem problemas sociais: as dificuldades das famílias, a pobreza, as feridas que afetam o mundo dos jovens, num contexto em que a democracia ainda precisa de se consolidar. A Igreja não pode deixar de ser protagonista de proximidade, dispensadora de solicitude e conforto às pessoas para que nunca se deixem roubar a luz da esperança. O anúncio do Evangelho revigora a esperança, porque nos lembra que, em tudo o que vivemos, Deus está presente, acompanha-nos, dá-nos coragem, dá-nos criatividade para começar sempre uma história nova. É comovente recordar o Venerável Cardeal József Mindszenty, filho e pai desta Igreja e desta terra, quando, no final de uma vida repleta de sofrimentos por causa da perseguição, nos deixou estas palavras de esperança: «Deus é jovem. O futuro pertence-lhe. É Ele que faz surgir o novo, o jovem e o amanhã nos indivíduos e nos povos. Por isso, não podemos abandonar-nos ao desespero» (“Mensagem ao Presidente da Comissão Organizadora e aos Húngaros no exílio”, in J. Közi Horváth , Mindszenty bíboros, 111). Deus é jovem.
Perante as crises, sociais ou eclesiais, oxalá possais sempre ser construtores de esperança. Que tenhais sempre, como Bispos do país, palavras de encorajamento. Não haja nos vossos lábios expressões que criem distâncias e imponham juízos, mas expressões que ajudem o povo de Deus a olhar para o futuro com confiança, ajudem as pessoas a tornar-se protagonistas livres e responsáveis pela vida, dom de graça que deve ser acolhido e não um quebra-cabeças para ser resolvido. O cubo do vosso talentoso e conhecido arquiteto Rubik continua a ser um jogo genial, não um modelo para a vida! E lembrai-vos: pastores do rebanho! O pastor deve estar dentro do rebanho: à frente do rebanho para indicar o caminho, no meio do rebanho para lhe compreender o cheiro, atrás do rebanho para ajudar aqueles que atrasam e também para deixar o rebanho ir à frente um pouco, porque tem um dom especial para apontar onde estão os solos bons e nutritivos.
Queridos irmãos, também a Hungria precisa de um anúncio renovado do Evangelho, uma nova fraternidade social e religiosa, uma esperança construída dia-a-dia, para poder encarar o futuro com alegria. Vós sois os pastores protagonistas deste processo histórico, desta bela aventura. Irmãos, que Deus vos confirme na alegria da missão — a alegria da missão! Agradeço tudo o que fazeis e, de coração, vos abençoo. Nossa Senhora vos proteja e São José vos guarde. E, se tiverdes um pouco de tempo, rezai pelo Papa. Obrigado!