O silêncio de Deus e o caminho, balbuciante, do homem humilde

10 agosto 2021

«Humildade significa verdade», a afirmação é de São Paulo vi, do qual a 6 de agosto se celebra o quadragésimo terceiro aniversário do nascimento para o céu. Assim o Papa Montini realçava que o homem humilde é aquele que, “vendo-se no espelho”, reconhece todos os seus limites, o seu ser frágil, criatura plasmada pelo barro, ainda que pela mão de Deus.

Há dois meses, escrevendo ao cardeal Marx, o Papa Francisco indicou coma única via possível para a Igreja sair da crise «o caminho do Espírito, que devemos seguir, e o ponto de partida é a confissão humilde: enganamo-nos, pecamos», acrescentando que «nos salvará a porta do Único que o pode fazer e confessar a nossa nudez: “Pequei”, “pecamos”... e chorar e balbuciar como podemos aquele “afasta-te de mim, que sou pecador”, herança que o primeiro Papa legou aos Papas e Bispos da Igreja».

Arrepender-se e balbuciar é também a condição do homem diante de Deus, segundo o poeta e sacerdote David Maria Turoldo, que há trinta anos publicou, na coleção Canti ultimi (1991), estes versos:

Tu, Deus, cada vez mais emudecido:

silêncio que quanto mais denso se torna

tanto mais explode: e falo contigo, falo contigo

e arrependo-me

balbucio e sussurro sílabas

que eu mesmo desconheço:

Mas sei que ouves, escutas

e te compadeces:

Então também eu fico sossegado

e em silêncio.

Versos circulares que partem do silêncio e voltam ao silêncio. O primeiro é um silêncio paradoxalmente “explosivo” e impele prepotentemente à palavra, à balbúcie, ao sussurro. Todo este falar ao Deus silencioso supera o seu mutismo (a sua indiferença?), levando-o ao compadecimento. O homem provocado pelo silêncio de Deus fala, geme, chega a pronunciar “sílabas desconhecidas”, mas sabe que o pode fazer até desta maneira desordenada, pois confia no facto de «que ouves e escutas»: este é o ponto de transição, a articulação pungente da fé. Esta é a mola, o motor que impele do silêncio inicial para o silêncio final. O primeiro silêncio é aquele solitário e misterioso de Deus; o segundo é um silêncio compartilhado, de comunhão entre Criador e criatura, no sinal da paz.

E nesta passagem entre os dois silêncios, à luz daquela “herança” de que o Papa fala na sua carta pastoral, podemos imaginar um som, uma “voz” muito específica: é o canto de um galo, numa noite hierosolimitana.

Andrea Monda