· Cidade do Vaticano ·

Sobre a linguagem simples de Jesus

O olhar atento
(e a distração dos sábios)

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23 junho 2021

Há dois domingos, comentando o texto do Evangelho, o Papa Francisco insistiu sobre o “olhar atento” de Jesus, fonte primária da sua pregação através das parábolas. Com efeito, estas narrações «inspiram-se precisamente na vida de todos os dias e revelam o olhar atento de Jesus, que observa a realidade e, mediante pequenas imagens quotidianas, abre janelas sobre o mistério de Deus e as vicissitudes humanas». Na sua obra-prima, o romancista russo Boris Pasternak escreveu: «Para mim, o principal é que Cristo fala com parábolas tiradas da vida de todos os dias». Tem razão: isto é o principal. O Papa ressalta que «Jesus falava de modo que todos compreendiam, falava com imagens da realidade, da vida diária» e este estilo esconde no seu interior um tesouro, um grande ensinamento: «Assim, ensina-nos que até as situações de todos os dias, aquelas que às vezes parecem todas iguais e que levamos em frente com distração ou cansaço, são habitadas pela presença oculta de Deus, ou seja, têm um significado. Então, também nós precisamos de um olhar atento, para saber “procurar e encontrar Deus em todas as coisas”». A citação final inaciana revela um detalhe fundamental, sempre daquele “principal”: o catolicismo é a religião da Encarnação, da qual depende o resto, ou seja, a confiança na realidade, inclusive na realidade humana, tão frágil e ambígua, pois a realidade, as coisas «são habitadas pela presença oculta de Deus, ou seja, têm um significado». O personagem do Negro, que é o niilista do romance Sunset Limited, de Cormac McCarthy, nega categoricamente tudo isto quando afirma desde a primeira página: «Nada do que acontece significa algo mais». Portanto, o antídoto contra o niilismo é um olhar atento. Aquele olhar que o Papa recomenda que se tenha para entender os significados ocultos na realidade, para decifrar os sinais espalhados pelo mundo. Em síntese, Francisco pede-nos mais imaginação, de certa forma, que sejamos mais artistas. Com efeito, são eles, os artistas, os mestres da imaginação. «O ódio é simplesmente a falta de imaginação», intui Graham Greene em O poder e a glória. Então, trata-se de amar e, para o cristão, de corresponder ao gesto artístico do Mestre, de sermos também nós artistas, como Jesus que compõe narrações e, agindo assim, convida-nos àquela maravilha que nasce do olhar atento. A poetisa americana, Mary Oliver, falecida em 2019, num poema muito breve indicou as “instruções para viver a vida”: «Presta atenção / Admira-te / Narra-o». Três verbos fundamentais para cada vida humana, ainda mais se for cristã.

O Papa Francisco não dá instruções para a vida, mas conduz a vida em contínua tensão unificadora entre o que prega e o que vive. Indica-nos o modelo de Jesus que, com o seu modo de falar simples, «abre janelas sobre o mistério de Deus e as vicissitudes humanas» e também faz assim: fala de forma direta e abre vislumbres que iluminam a nossa vida e nos afastam da “poeira” da rotina e, portanto, da distração e da obviedade. Quem ouve e vê o Papa Francisco em ação será levado a não dar mais nada por certo ou devido na sua vida diária, e encontrará uma nova energia e sobretudo uma alma grata e reconhecida. A não ser que nos aproximemos até do Papa com ideias preconcebidas, às quais estamos tão apegados que não queremos abandoná-las: esta abordagem ideológica é a morte da maravilha. E a verdadeira maravilha é sempre pelas situações diárias, pois a maravilha não teria valor por causa do extraordinário, seria apenas um reflexo automático e instintivo. E ao contrário, o homem, criatura espiritual, não é apenas uma máquina regulada pelos instintos. E aqui tem novamente razão Pasternak, que naquela página do Doutor Jivago insiste sobre a força revolucionária de Jesus, narrador de parábolas: «O mundo antigo terminou em Roma, naquela orgia de mau gosto, em ouro e mármores; veio ele, leve e revestido de luz, puramente humano, deliberadamente provinciano, o Galileu, e a partir daquele momento os povos e os deuses deixaram de existir e começou o homem, o homem carpinteiro, o homem agricultor, o homem pastor no meio de um rebanho de ovelhas ao pôr do sol, o homem cujo nome não soava solene e feroz, o homem generosamente oferecido a todas as canções de embalar maternas do mundo».

Jesus profana o mundo, convidando os homens a concentrar o olhar não no poder, solene e feroz, dos deuses, mas na força divina escondida na fragilidade dos homens simples, comuns. Talvez o próprio profeta Elias pensasse que encontraria Deus no fogo ou no tremor de terra, mas ao contrário descobriu-o num «murmúrio de uma brisa suave» (1 Rs 19, 12). E na sua pregação o Vigário de Jesus age na mesma linha, tirando toda a solenidade da religião para fazer sobressair a pureza da fé dos simples, do “santo povo fiel de Deus”.

Hoje, o problema é que ainda permanece na mente do homem a tentação da ideologia, que além disso nasce do orgulho: há quem sabe que sabe e por isso, fortalecido na sua sabedoria, só pode dar instruções e ensinar os outros, até o Papa. Hoje há muitos que pontificam, uma vez que o Pontífice escolheu outro caminho, mais humilde, que pode parecer difícil de compreender e de explicar, como se fosse uma insensatez. É precisamente este o sinal de que se trata do caminho certo, aquele de que São Paulo fala no início da sua primeira carta aos Coríntios: «Já que o mundo, com a sua sabedoria, não reconheceu a Deus na sabedoria divina, aprouve a Deus salvar os que creem pela loucura da sua mensagem. Os judeus pedem milagres, os gregos reclamam a sabedoria, mas nós pregamos Cristo crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os pagãos, mas para os eleitos, quer sejam judeus quer gregos, força de Deus e sabedoria de Deus. Pois a loucura de Deus é mais sábia do que os homens, e a fraqueza de Deus é mais forte do que os homens» (1 Cor 1, 21-25).

Andrea Monda