Agricultura e biodiversidade
A soja avança, a floresta retrocede. O braço de ferro entre green e growth, o difícil equilíbrio entre o crescimento e a sustentabilidade ambiental é fotografado pelos satélites orientados para a região onde se enfrenta um dos grandes desafios do mundo, a Amazónia.
Pulmão (mas também fígado e os rins) de um planeta poluído e sobreaquecido, terra nativa dos povos indígenas, despojada das suas florestas para alimentar o comércio da madeira, ameaçada pela pecuária intensiva, à qual alternadamente se seguem monoculturas intensivas — sobretudo a soja — a Amazónia encarna todas as possibilidades e riscos de uma crise alimentar e ecológica global. E oferece o livro das soluções aplicáveis para todos.
O mundo tem fome de soja, fonte proteica, e de madeira, cujos preços (mais de 50% em seis meses) aumentam vertiginosamente. Os satélites orientados para a região dos mil rios que se estende entre o Brasil, Peru, Colômbia e Venezuela, remetem para o desdobramento da fronteira de cinzas que serpenteia traçada pelos incêndios e pelo desmatamento em geral.
O crescimento económico exponencial, que cada Estado considera um direito natural, nutre-se da biodiversidade que literalmente mantém vivo, purificando-o e renovando-o, o organismo global ao qual todos nós pertencemos. A soja é ouro para o Brasil, gigante agroalimentar que exporta para o mundo inteiro. E a estação que se anuncia é uma das mais promissoras.
Com efeito, o terreno cultivado com soja aumentou de 4%. O clima é favorável. Mas o risco é que o lucro se obtenha em desvantagem do meio ambiente, como demonstram as imagens dos satélites. A desflorestação provoca um incêndio atrás do outro. Os mil rios da Amazónia são percorridos por castelos flutuantes de troncos, que transportam a madeira da floresta tropical para as fábricas do mundo e o consumo descartável, especialmente da Europa, grande comprador de matéria-prima. Nos últimos dias, o poder judiciário brasileiro abriu uma investigação penal sobre a hipótese de que a corrupção e o contrabando alimentem a pilhagem da floresta tropical. Com efeito, o olho do satélite grava o vaivém nos rios, em detrimento do meio ambiente. E isto teria pouco a ver com o crescimento do país. Por definição, a corrupção desertifica a economia, transformando-a num jardim para poucos e na condenação para muitos. O equilíbrio entre green e growth não pode coexistir com a corrupção.
O cultivo intensivo avança onde há falhas, depauperando o solo que precisa de alternância e descanso. E a era mágica da soja em 2021, afirmam os dados da Conab (Companhia nacional de abastecimento), deveria render 135 milhões de toneladas de sementes oleaginosas, tendo utilizado 38 milhões e meio de hectares dos 851 milhões da extensão total. Mas as repercussões do sucesso e o preço do crescimento ininterrupto são as criações intensivas e a forte pressão ambiental, que depois deixam as terras exploradas às monoculturas. Garantir o desenvolvimento económico sem desestabilizar um dos filtros do planeta parece uma missão impossível.
A Fao, programa das Nações Unidas para a alimentação e a agricultura, propõe que se inclua a primazia do bem-estar e da segurança alimentar humana como ponto de equilíbrio entre green e growth. Sem este equilíbrio, poderá ser garantido o crescimento, desigual, das economias nacionais, mas em desvantagem das gerações vindouras.
Se a Amazónia, como outras reservas verdes do planeta, se transformar em troncos navegantes, criações e extensões monocromáticas e desinfetadas, as certezas serão o fracasso do planeta e um clima inadequado para a vida humana. A resposta da Fao é: a agricultura deve abranger a biodiversidade. Não substituir-se a ela. E só o poderá fazer mediante uma aliança com as principais partes interessadas: camponeses, pescadores, criadores de gado, silvicultores: o chamado ramo agroalimentar, que por si só é o principal responsável pela utilização do solo do planeta. Segundo o diretor-geral da Fao, Qu Dongyu, nada se pode fazer sem o regresso dos camponeses à gestão, tecnologicamente avançada e sábia, do meio ambiente. A osmose entre a biodiversidade vegetal e animal, e a produção diversificada de alimentos e matérias-primas constitui um imperativo global como a redução das emissões industriais. Em 25 de maio passado, os líderes da Fao, da organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura (Unesco), do alto comissariado das Nações Unidas para os direitos humanos e do programa das Nações Unidas para o meio ambiente (Pnuma) debateram sobre este assunto, afirmando que as soluções estão inscritas na biodiversidade. E os camponeses sabem lê-las. A segurança alimentar do mundo não está menos em risco do que o seu clima. Por conseguinte, a Amazónia não é o problema, mas o livro das soluções que as Nações Unidas tencionam abrir.
Chiara Graziani