No dia 24 de março, por iniciativa da Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura (Unesco), teve lugar um fórum sobre a biodiversidade com o tema «O nosso planeta, o nosso futuro: cinquenta anos do programa sobre o homem e a biosfera», em vista da Conferência de Kunming, que se realizará naquela cidade chinesa de 17 a 30 de maio. Na circunstância, o observador permanente da Santa Sé na Unesco, monsenhor Francesco Follo, leu a seguinte mensagem enviada pelo Papa à diretora-geral, Audrey Azoulay, por ocasião do precedente diálogo de 27 de outubro de 2020, que — explicou o prelado — destaca a contribuição do Pontífice para uma ecologia integral destinada a preservar a “casa comum”.
Senhora Diretora-Geral!
Obrigado pelo seu amável convite para participar nesta conferência virtual sobre «Mudanças climáticas e pobreza: princípios éticos e responsabilidade científica».
Com uma saudação a Vossa Excelência e a todos os organizadores e participantes nesta iniciativa, gostaria de manifestar a minha gratidão pelo debate que a Unesco pretende promover sobre um dos problemas mais importantes e urgentes do nosso tempo. A tal respeito, tenho a honra de lhe enviar em anexo uma posição mediante a qual a Santa Sé tenciona dar uma contribuição para o tema deste diálogo.
Com efeito, a luta contra as mudanças climáticas e contra a pobreza extrema são dois objetivos complexos e interdependentes, à luz dos quais é necessário definir um novo modelo de desenvolvimento que coloque no centro «todos os homens e o homem todo» (Populorum progressio, 14), como pilar fundamental a respeitar e proteger, adotando uma metodologia que inclua a ética da solidariedade e a «caridade política» (Fratelli tutti, 180, 182). Só assim será possível promover um bem comum verdadeiramente universal, uma verdadeira civilização do amor onde não há lugar para uma pandemia da indiferença e do desperdício.
O impacto do aquecimento global sobre os mais pobres pede-nos que consideremos a resposta à atual crise socioambiental como uma singular oportunidade de assumir, de modo responsável, a fragilidade da nossa casa comum (cf. ibid., n. 117), melhorando as condições de vida, a saúde, os transportes, a segurança energética, e criando novas oportunidades de emprego.
Esta perspetiva, na qual se insere o Acordo de Paris, leva-nos gradualmente a tomar consciência de que as mudanças climáticas são vistas como uma questão muito mais moral do que técnica, e de que o ponto de viragem decisivo de que precisamos só será possível se investirmos na educação das novas gerações para estilos de vida que respeitem a criação, até agora inexplorados.
É particularmente importante que os jovens sejam formados na salvaguarda da criação e do respeito pelos outros, para poder comprometer-se na promoção de novos hábitos de produção e consumo, a fim de gerar um novo modelo de crescimento económico que coloque no centro o meio ambiente e as pessoas. Para esta finalidade, a Organização a que Vossa Excelência preside é de importância crucial e estou feliz que este diálogo aborde as implicações éticas da emergência climática, a fim de aprofundar os aspetos científicos.
Se quisermos lutar eficazmente contra as mudanças climáticas, devemos agir em conjunto, tendo em consideração a necessidade de realizar um exame aprofundado do modelo de desenvolvimento atual, a fim de corrigir as suas anomalias e distorções. Dar respostas concretas ao grave problema do aquecimento global é um imperativo moral. A falta de ação terá efeitos secundários, especialmente entre as camadas mais pobres da sociedade, que são também as mais vulneráveis a tais alterações.
Por conseguinte, estou feliz porque não só os representantes dos governos, mas também a sociedade civil, o setor privado, o mundo universitário e científico, as comunidades locais e os povos indígenas são chamados a dar o seu contributo. Estes atores não estatais, muitas vezes na linha da frente na luta contra as mudanças climáticas, demonstram particular sensibilidade na busca de meios inovadores para promover um sistema sustentável de produção e de consumo, tornando-se assim intérpretes do clamor da terra e dos pobres. Portanto, a sua contribuição merece ser valorizada e considerada pelos líderes políticos, para que as suas decisões sejam justas e clarividentes.
Está a acabar o tempo para a procura de soluções globais, e a atual emergência sanitária obriga-nos a «pensar nos seres humanos, em todos, e não só no benefício de alguns» (Ibid., n. 33). Espero, pois, que este diálogo, sobre o qual invoco a assistência do Altíssimo, possa ajudar a fortalecer os processos de transformação necessários para combater o problema das mudanças climáticas e, ao mesmo tempo, para lugar contra a pobreza, promovendo assim um desenvolvimento humano verdadeiramente integral.
Francisco