No voo de regresso de Bagdad para Roma, não se pode deixar de pensar na rota seguida por Abraão quando partiu de Ur dos Caldeus para uma terra prometida onde a sua numerosa descendência iria florescer. Observando da janela, impressiona a dureza do território atravessado, na sua maioria deserto, e por isso a beleza vital dos cursos de água sobressai ainda mais. É o duro e extremo encanto da Mesopotâmia, terra “no meio dos rios”, os dois grandes rios: Eufrates e Tigre, que atravessa Bagdad. Esta mesma imagem, os rios, que nos acompanharam no início da viagem, acompanha-nos também no final: a água que traz vida e o deserto a morte, ao redor.
O primeiro rio que encontrámos foi aquele de sangue que correu da igreja de Nossa Senhora da Salvação, teatro em 2010 do massacre de 48 cristãos durante a Missa, e fomos ajudados pela profecia de Ezequiel, que viveu e está enterrado nessa terra, com imagens de um rio que jorra do templo com águas poderosas que «onde chegarem, curam, e em toda a parte haverá vida» (Ez 47, 9). A cena da entrada do Papa Francisco naquela igreja, na sexta-feira à tarde, aspergindo-a com água benta, recordou aquela imagem de renascimento, aliás de ressurreição.
Esta é a imagem, a sensação que permanece no final desta viagem tão densa de episódios, sugestões, significados: uma sensação de ressurreição. Aqui vem de novo em socorro o profeta “dono de casa”, Ezequiel, que previu a morte e a ressurreição naquela terra e a narrou com imagens poderosas: o vale cheio de ossos secos que voltam à vida ao ouvir a sua profecia «eis o que vos declara o Senhor Javé: vou fazer reentrar em vós o sopro da vida para que revivais. […] Profetizei, pois, assim como tinha recebido ordem. […] Vem, espírito, dos quatro cantos do céu, sopra sobre esses mortos para que revivam [...] Assim diz o Senhor, o Eterno: eis que vos abrirei as vossas sepulturas, e vos farei sair dos vossos sepulcros, ó meu povo, e vos reconduzirei à terra de Israel» (Ez 37, 5-10.)
O que o mundo inteiro viu durante os três dias da viagem papal no Iraque foi uma cena grandiosa, de ressurreição, poderosa como só a alegria o pode ser. Uma terra desolada, devastada pela guerra e pelo terrorismo, abandonada pelo resto do mundo, que recomeça a respirar, a vibrar, a levantar-se, a caminhar. O arcebispo dos Caldeus Bashar Matti Warda, no final da missa no estádio de Erbil, expressou-o eficazmente numa frase, onde mais de dez mil pessoas acolheram calorosamente a chegada do Bispo de Roma: «Santo Padre, agradecemos a sua coragem. A sua coragem flui agora dentro de nós». Coragem como um rio que, à medida que corre, traz vida onde outrora dominava a morte. Este é o primeiro dos efeitos (serão muitos, aqui a profecia é fácil) que a viagem do Papa Francisco desenvolverá nos tempos vindouros.
Andrea Monda