«Aqui, onde viveu o nosso pai Abraão, temos a impressão de regressar a casa». Estamos em Ur, e a poucos metros do lugar onde se realizou o encontro inter-religioso, no qual o Papa Francisco participou, há um edifício tradicionalmente chamado “Casa de Abraão” renovado em 1999 na expetativa da viagem, que depois não foi realizada, de João Paulo ii. Viagem que, 33ª de Francisco, por conseguinte é também um regresso a casa. E todos aqui, seja qual for a sua religião, sentem-se em casa, na casa de alguém que foi chamado a deixar a própria casa, para realizar uma viagem sem regresso. Tudo é paradoxal no âmbito da religião, tão paradoxal e vertiginoso como estas palavras do discurso de Francisco: «Somos o fruto daquela chamada e daquela viagem. Deus pediu a Abraão que levantasse os olhos para o céu e contasse as estrelas (cf. Gn 15, 5). Naquelas estrelas, viu a promessa da sua descendência, viu-nos a nós».
Abraão viu-nos, e estando aqui, na sua terra, hoje, podemos dizer: ele está a ver-nos. Este olhar que provem “das origens” significa muitas coisas: vigiar e esperar, pedir a nossa responsabilidade e aguardar o cumprimento.
João Paulo
Os católicos de hoje são chamados a ser o novo Miguel Ângelo, capaz de levar a cabo o desígnio original de Deus. Para isso, é necessário ter o olhar da origem, o olhar do artista: um olhar corajoso e perspicaz, capaz de ir além das nuvens e contemplar a beleza do céu. O que são estas nuvens? O Papa explica-o claramente: «Não permitamos que a luz do Céu seja ocultada pelas nuvens do ódio! Sobre este país, acumularam-se as nuvens negras do terrorismo, da guerra e da violência. Com isso, sofreram todas as comunidades étnicas e religiosas».
São as nuvens dos novos (e antigos) ídolos. No início do encontro foi lida um excerto da Sura de Abraão tirada do Alcorão, que começa com estas palavras: «Meu Senhor, torna esta região segura e preserva-me a mim e aos meus filhos da adoração de ídolos». Esta região conheceu muito raramente a “segurança”, também esta viagem do Papa, feita com carros blindados, atesta isto, mas a questão é se as duas orações (pela segurança e contra a idolatria) estão ligadas. Criamos um mundo inseguro e violento, porque sucumbimos aos ídolos que nós próprios criamos. Pensando antes de mais que somos Deus, autossuficientes. Também sobre este ponto as palavras do Papa são claras e inequívocas: «Nós, descendência de Abraão e representantes de várias religiões, sentimos que a nossa função primeira é esta: ajudar os nossos irmãos e irmãs a elevarem o olhar e a oração para o Céu. E disto todos precisamos, porque não nos bastamos a nós próprios. O homem não é omnipotente; sozinho, não é capaz. E se escorraça Deus, acaba por adorar as coisas terrenas. Mas os bens do mundo, que fazem muitos esquecer-se de Deus e dos outros, não são o motivo da nossa viagem sobre a terra. Erguemos os olhos ao Céu para nos elevarmos das torpezas da vaidade; servimos a Deus, para sair da escravidão do próprio eu, porque Deus nos impele a amar. Esta é a verdadeira religiosidade: adorar a Deus e amar o próximo. No mundo atual, que muitas vezes se esquece do Altíssimo ou oferece uma imagem distorcida d’Ele, os crentes são chamados a testemunhar a sua bondade, mostrar a sua paternidade através da nossa fraternidade». Peregrino penitente da paz, Francisco é cada vez mais o arauto da fraternidade que hoje, na casa de Abraão, deu mais um extraordinário passo em frente.
Andrea Monda