Pode-se atravessar o abismo do horror e do mal dos campos de extermínio nazistas e recontar toda a sua crua realidade, conseguindo colher fragmentos de humanidade e esperança até nessas tremendas circunstâncias.
Esta é a opinião que emerge do testemunho de Edith Bruck, a escritora e poetisa judia de 88 anos, de origem húngara, que sobreviveu ao Shoah, e a 20 de fevereiro, numa tarde romana quase primaveril, recebeu a visita de Francisco na sua casa. Motivo deste gesto foi a leitura da entrevista com a escritora publicada por «L’Osservatore Romano», por ocasião do Dia da Memória. Edith Bruck dedicou toda a sua vida a testemunhar o que viu. Foram dois desconhecidos, cuja última voz ela captou no campo de concentração de Bergen-Belsen, que a imploraram para que o fizesse: «Conta, não acreditarão em ti, mas se sobreviveres, conta tudo isto também por nós». Ela cumpriu a promessa. O que nos impressiona, ao ler os episódios descritos na entrevista, é o olhar de esperança que Edith consegue transmitir. Apesar do que ela testemunhou quando era criança nos campos de extermínio nazistas, onde o seu pai, mãe e irmão foram assassinados.
Até quando ela conta os momentos mais sombrios, nunca deixa de fixar o olhar num pormenor positivo, num indício de humanidade que lhe permitiu continuar a viver e a ter esperança. Assim, ao descrever a vida no gueto depois de ter sido separada dos seus pais e irmãos na casa da aldeia rural onde vivia, ela conta de um homem não judeu que dá uma carroça cheia de géneros alimentícios para ajudar os perseguidos. Quando foi forçada a trabalhar no campo de concentração de Dachau escavando trincheiras, recorda-se de um soldado alemão que lhe atirou o tabuleiro para lavar, «mas deixando nele um pouco de marmelada para mim». Ao descrever o seu trabalho na cozinha para os oficiais, recorda-se da figura do cozinheiro que lhe perguntou qual era o seu nome e ao ouvir a resposta, proferida por Edith com uma voz trémula, respondeu: «Eu tenho uma filha da tua idade». Dizendo isto, ele «tirou um pente do bolso e olhando para a minha cabeça, com o cabelo que começava a crescer, deu-mo. Foi a sensação de encontrar um ser humano à minha frente, depois de tanto tempo. Fiquei comovida com aquele gesto que era vida, esperança».
Um resíduo de marmelada, um pente oferecido em segredo, o olhar da irmã prisioneira como ela, permitiu-lhe apegar-se à vida apesar de tudo. Alguns gestos são suficientes para salvar o mundo, repete Edith Bruck, dando-nos uma tarefa através do seu testemunho. A da memória, antes de mais, para garantir que tais horrores nunca mais voltem a acontecer. Mas também a de saber fixar o nosso olhar nos fragmentos de beleza e humanidade que nos rodeiam, e que confortam o coração até quando atravessamos os desertos mais áridos e as situações mais difíceis.
Há necessidade real deste olhar também na comunicação, como o Papa Francisco escreveu na sua mensagem para o Dia das comunicações sociais de 2017: «Queria que todos procurássemos superar aquele sentimento de mau-humor e resignação que muitas vezes se apodera de nós, lançando-nos na apatia, gerando medos ou a impressão de não ser possível pôr limites ao mal». Um olhar que o santo padroeiro dos jornalistas, São Francisco de Sales, também indicou como o caminho a seguir: «Se uma ação tiver cem aspetos, concentra sempre a tua atenção no mais positivo».
Andrea Tornielli