Edith Bruck, última de seis filhos de uma pobre família judia, nasceu numa pequena aldeia húngara em 1931. Em abril de 1944, juntamente com os seus pais e dois irmãos, foi deportada para o gueto e depois para os campos de concentração de Auschwitz, Dachau e Bergen-Belsen. Sobreviveu juntamente com a sua irmã Judit, e após vários anos chegou à Itália e estabeleceu-se em Roma. Numa entrevista concedida a «L’Osservatore Romano» em janeiro passado por ocasião do Dia da Memória, ela recordou os horrores que viveu durante o período trágico da perseguição nazista. O Papa Francisco quis conhecê-la e foi visitá-la em sua casa no centro de Roma. Um encontro que Edith Bruck definiu “inimaginável”. Ao Vatican News ela revelou que durante a conversa, o Papa recordou várias passagens do seu livro Il pane perduto [O pão perdido] publicado por La nave di Teseo na série «Oceani».
«Ainda estou em choque positivo. Falámos durante muito tempo. Ele disse que leu o meu livro. Citou muitas partes dele. O Papa chegou às 16 horas e partiu por volta das 18 horas. Ainda estou emocionada. Chorei assim que ele chegou. Abracei-o, beijei-o. Foi muito bonito e com voz trémula apresentei as poucas pessoas que estavam em casa. O Papa também falou sobre o Shoah. Ele pediu perdão pessoalmente. Falou um pouco sobre a Argentina. Fiquei tão comovida, que nem conseguia falar».
O que se sente quando se recebe o Papa Francisco na própria casa?
Não conseguia imaginar tal coisa. Quando o vi à porta, desfiz-me em lágrimas. Ele também me abraçou. Estávamos ambos cheios de comoção. Difícil conter a emoção.
O abraço do Papa Francisco foi paterno?
Sim, aliás, ele disse: somos irmãos.
Portanto, um encontro entre irmãos que também foi muito convivial...
O Papa comeu um bolo com ricota. Preparei um sofá com almofadas. E depois ofereci-lhe uma poesia minha que ele apreciou muito. Ficámos todos surpreendidos. Verdadeiramente um encontro inimaginável. Ficou quase duas horas. Foi uma coisa incrível vê-lo em casa. Fiquei muito comovida.
Recordemos os horrores no campo de concentração de Auschwitz, onde a senhora viveu o mal absoluto. Mas até naquela escuridão, viveu momentos de luz.
Sim, contei isto ao Papa. Chamo-lhes as cinco luzes. Falei-lhe sobre as cinco luzes. O Papa disse que sabia tudo. E lembrou-se do meu livro quase linha por linha.
E lembrou ainda ao Papa que naquele período dramático houve também um pequeno gesto cheio de vida. Feito por um cozinheiro...
Contei também esse episódio. O Papa lembrou-se inclusive disso. No campo de concentração em Dachau, um cozinheiro disse-me: qual é o teu nome? E deu-me um pente. O Papa recordou o episódio do pente. Enquanto falávamos, o Papa e eu estávamos na mesma sintonia humana.
Os seus pais e um dos seus irmãos não sobreviveram. Disse que se salvou graças à sua irmã…
Ela ajudou-me muito. Acredito que sem mim, ela não teria sobrevivido. Sem ela, eu também não teria sobrevivido. Ela era quatro anos mais velha do que eu. Apoiava-me. Carregou alguns casacos que eu já não conseguia arrastar. É claro que nos apoiamos mutuamente. Agora, infelizmente, já não está viva. Ela desmaiou quatro vezes e eu gritava: não me abandones! Vivi momentos terríveis. Tudo o que vivi não pode ser contado nem escrito em mil livros. Não se pode descrever a dor, a indignação moral. Nunca poderá ser contada, mesmo que eu não faça outra coisa que contar e escrever.
Por falar em contar e recordar, um soldado alemão que a separou da sua mãe à chegada ao campo de concentração, na realidade salvou-lhe a vida...
Sim, aconteceu logo à chegada. Eu estava com a minha mãe. Destinaram-me juntamente com a minha mãe ao crematório do lado esquerdo. Mas o último soldado alemão sussurrando disse-me para ir para a direita. Naquele momento, não percebi o que ele queria dizer. Agarrei-me à carne da minha mãe. Não queria deixá-la. Por fim o soldado, não sabendo como nos separar, bateu na minha mãe com a cana da espingarda. Ela caiu e eu nunca mais a vi. Ele também me bateu e arrastou-me para o outro lado. Naquele momento, não sabia que ele estava a tentar salvar-me.
Hoje partilhou algumas dessas recordações com o Papa Francisco. Um dia indelével que solda a memória com esperança...
O Papa também ficou muito entristecido com estes inocentes que foram aniquilados. Mas há sempre esperança. Há sempre uma luz minúscula, mesmo na escuridão. Sem esperança, não podemos viver. Nos campos de concentração, era suficiente que um alemão te fitasse com um olhar humano. Bastava um gesto. Era suficiente um olhar humano. Deram-me umas luvas furadas, deixaram-me um pouco de marmelada no tabuleiro. Nisto, estava a vida, dentro. Isto é esperança.
Amedeo Lomonaco