· Cidade do Vaticano ·

Pelo cuidado da casa comum

Paranapanema: o rio
do renascimento

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19 janeiro 2021

No curso de água menos poluído do Brasil uma exemplar obra de preservação


Um grupo de voluntários da pequena cidade de Timburi, no Estado brasileiro de São Paulo, repete a obra de limpeza desde 2009, apesar de o rio Paranapanema ser o menos poluído da região. As ações locais para salvaguardar a casa comum, aplicando os princípios da Laudato si’, procuram despertar a responsabilidade de todos para o cuidado da criação. Almir Minozi acredita no impacto global deste tipo de iniciativas: é fundamental, diz, «estar conscientes da importância de preservar a Amazónia», embora esteja a mais de 2 mil quilómetros de Timburi, «salvaguardando o ambiente em que vivemos».

Os brasileiros desta história recordam os pescadores de San Benedetto del Tronto mencionados pelo Papa durante uma audiência geral em setembro passado, quando o Pontífice recordou o grupo de trabalhadores que tinha recebido alguns meses antes e relatou como estas pessoas conseguiram remover «do mar 24 toneladas de resíduos, metade dos quais eram plástico». «Eles têm o espírito para apanhar o peixe», acrescentou o Papa, «mas também o lixo», tirando-o da água a fim de «limpar o mar». Naquela circunstância, Francisco retomava os encontros de quarta-feira com os fiéis, após a suspensão das audiências públicas devido à pandemia de Covid-19.

Aquela catequese sobre a solidariedade com a terra e a salvaguarda da casa comum foi também retomada por quantos, durante mais de uma década, no Brasil, deram vida a um grupo de voluntários para limpar o rio Paranapanema. «O Paranapanema ainda não é um rio poluído, graças a Deus. Então, por que procuramos limpá-lo? Para aumentar a consciência sobre a importância de ter um rio com água limpa para a sobrevivência, pesca e desportos aquáticos», diz Almir Fernando Zanforlin Minozi, o iniciador deste trabalho de limpeza. É também um animador Laudato si’ do Movimento católico mundial pelo clima e membro da Comunidade missionária de Villaregia, fundada na Itália e atualmente presente em muitos países da África e da América Latina.

Desde 2009, Almir procura mobilizar a sua comunidade, reunindo os colegas de trabalho, pescadores da região e colaboradores da igreja para limpar as margens e o próprio rio, recolher o lixo acumulado e enviar o material para a cooperativa de reciclagem na pequena cidade de Timburi, no Estado de São Paulo, que conta cerca de 3.000 habitantes.

A consciencialização global começa em Timburi


Localizada a 364 km da capital do Estado, São Paulo, Timburi situa-se entre os dois rios mais importantes da região, Itararé e Paranapanema. Devido à presença de tanta água, a cidade tem sido sede da «Maratona aquática em águas livres», um dos eventos mais importantes deste desporto na América Latina. A beleza natural local também contribui para o crescimento do turismo e das atividades de lazer, além da pesca profissional e desportiva. A bacia do Paranapanema abrange mais de 200 municípios.

«O rio Paranapanema é muito importante para nós porque nasce aqui na fronteira dos estados de São Paulo e Paraná, depois prossegue para a Bacia do Prata no Uruguai. Portanto, é um rio muito extenso e importante para a nossa região». Por conseguinte, o rio é um divisor natural entre os Estados. O nome deriva da língua tupi, hoje extinta, mas falada pelas tribos que viveram no litoral do país no século xvi e que se espalharam na época do colonialismo. Paranapanema significa “rio mau e azarado”, pois é composto por “paraná”, que significa rio, e “panema”, que significa mau e com má sorte. No entanto, este curso de água parece ter muita sorte, pois é o menos poluído do Estado de São Paulo: corre numa extensão total de 929 km, gera potencial energético com as suas 11 barragens e respetivos aterros e desagua no rio Paraná, no ponto triplo entre os Estados do Paraná, de São Paulo e do Mato Grosso do Sul.

O trabalho de limpeza


A fim de preservar este património ambiental, no mês de junho de cada ano, voluntários da sociedade civil reúnem-se em Timburi para o trabalho de limpeza. Este ano, porém, devido às restrições impostas pela pandemia, a ação teve lugar em setembro, mês internacional dedicado à limpeza do litoral, durante o Tempo da Criação e por ocasião das celebrações dos 5 anos da Laudato si’ do Papa Francisco. A limpeza é efetuada por 10 barcos distribuídos num raio de 3 quilómetros, nas proximidades de um campo municipal e nas margens do rio até à fronteira com outros municípios.

Esta obra responde ao convite do Papa Francisco a pensar, mesmo num momento de crise, sobre as necessidades do próximo e da casa comum, despertando — como recordou na audiência geral de setembro — «uma solidariedade guiada pela fé» que nos permite traduzir o amor de Deus «tecendo comunidades e sustentando processos de crescimento verdadeiramente humanos e sólidos». Uma solidariedade, disse o Pontífice a 27 de março passado no extraordinário momento de oração em tempo de pandemia, capaz de «dar solidez, apoio e significado a estas horas em que tudo parece naufragar».

Poluição das águas


Os heróis desta aventura de limpeza aquática conseguem recolher uma grande variedade de materiais e resíduos industriais, tais como recipientes de plástico, garrafas em Pet, latas, materiais de poliestireno, pneus, mas também sapatos, sanitas e até fogões. «Saímos com alguns barcos, cada um com duas ou três pessoas que vão ao longo de um trecho e recolhem o que polui a água. Depois levamos tudo para um determinado lugar e aí o camião de reciclagem chega e carrega o material. Organizamos frequentemente palestras ou ações de educação ambiental. Fazemos este trabalho há vários anos, por vezes em colaboração com a Igreja católica e também com a Igreja evangélica da nossa cidade».

Reflorestação


Além da task force de limpeza, que este ano recolheu cerca de 500 quilos de resíduos, uma segunda ação do grupo, de educação ambiental, é a das novas plantações. A reflorestação tem como objetivo preservar a Mata Atlântica local e assim contribuir para a biodiversidade e o equilíbrio ecológico.

Em Timburi a relação entre os cristãos e o meio ambiente é estreita e respeita o cuidado da criação. A limpeza dos rios é uma forma importante de proteger as pessoas e o planeta. De acordo com o relatório oficial de 2020 do Tempo da Criação, 71% da superfície terrestre está coberta de água: a poluição e os resíduos podem ter um efeito devastador em muitas espécies — incluindo os seres humanos — que dependem de água limpa.

Para Almir, também a ação local pode ter um impacto global pois «somos todos responsáveis»: é fundamental «estar conscientes da importância de preservar a Amazónia», mesmo que esteja a mais de 2.000 quilómetros de Timburi, «salvaguardando o ambiente em que vivemos». Tudo está interligado, lembra ainda o animador Laudato si’, citando a encíclica do Papa Francisco: «a crise ecológica — reitera — é também uma crise ética e social, resultado do nosso estilo de vida» consumista, que atinge especialmente os mais pobres e vulneráveis: eles também «precisam das nossas águas para sobreviver».

Andressa Collet