É inovadora e emotiva a forma como a diplomacia portuguesa se afirma junto da Roma papal no reinado de D. Manuel I, o monarca das grandes descobertas. E, se quisermos, funciona também como uma curiosa parábola de Portugal e do seu destino no concerto das nações. Ora vejamos. O rei D. Manuel I reinou entre outubro de 1495 e dezembro de 1521. No arco do período histórico que ele tutelou, Vasco da Gama chegou por mar à Índia (1498); Pedro Álvares Cabral aportou ao Brasil (1500); foi assegurado o controle das rotas comerciais do Oceano Índico e do Golfo Pérsico; estabeleceram-se entrepostos fundamentais como Malaca, Goa e Ormuz; e, por exemplo, o icónico e monumental Mosteiro dos Jerónimos seria construído em Lisboa. D. Manuel i arquitetou duas grandiosas embaixadas a Roma, carregadas é claro de ambição política pois tratava-se, afinal, de obter do Papa o apoio para um emergente império, mas também altamente inovadoras do ponto de vista cultural. A diplomacia tornava-se o teatro para exibir o exotismo e a originalidade dos mundos novos que, com as navegações, eram oferecidos ao velho espaço europeu. E Portugal assumia-se assim, mesmo se mais ou menos consciente de todas as implicações que isso representava, como um decisivo laboratório da modernidade.
Na embaixada de 1514, liderada por um robusto triunvirato político constituído pelo navegador Tristão da Cunha e pelos diplomatas Diogo Pacheco e João de Faria, o elemento que mais se destacou, no faustoso cortejo das oferendas reais ao pontífice, foi um elefante, que enlouqueceu de contentamento a Roma popular, que fascinou artistas e cortesãos e impressionou pessoalmente o Papa Leão X. Como escreveria mais tarde o próprio monarca português «eram coisas tão novas, nestas partes nunca vistas e que praticamente não se encontravam nos livros». Não admira que o Papa Leão x tenha decidido entregar a prestigiosa Rosa de Ouro nesse ano ao rei de Portugal. De facto, era daí que parecia chegar o futuro.
A segunda embaixada de D. Manuel I ao papa aconteceria pouco depois, em 1516, e o rei intentou repetir o mesmo efeito de surpresa, fazendo chegar, desta vez, um rinoceronte. O trunfo que Portugal jogava não seriam os animais em si, mas sim o poder documentar fortemente a nova realidade de um mundo global.
Ora, esta diplomacia-espetáculo tinha raízes mais fundas do que se poderia supor. Quando se entra na Biblioteca Apostólica Vaticana, que é a Biblioteca dos Papas, a presença de Portugal é atestada por uma profusão bibliográfica e documental que começaria por espantar os próprios portugueses: são textos inovadores no campo das ciências; extraordinários volumes sobre técnicas de navegação; requintados tratados de matemática, de astronomia ou de medicina; dicionários de novas línguas, acompanhados por atlas e relatos etnográficos; moedas e medalhas preciosíssimas; tesouros de espiritualidade e mística; ou incalculáveis monumentos literários como é, por exemplo, o Cancioneiro da lírica trovadoresca galaico-portuguesa que a Vaticana conserva. As «coisas nunca vistas» e que até então «não se encontravam nos livros», os cientistas e homens de cultura portugueses escreviam-nas agora em volumes que chegavam à Santa Sé e que esta amigavelmente guardava. Pois o que é uma Biblioteca senão um polifónico repositório para a amizade?
Não há dúvida que a história das relações históricas de Portugal e da Santa Sé, mesmo na complexidade de algumas estações históricas, deve ser descrita como uma história de profunda amizade. E o importante espólio da Biblioteca Apostólica, de que a secção numismática faz parte, confirma-o amplamente. Sobre a amizade, recorda-nos o Papa Francisco: «A amizade não é uma relação fugaz e passageira, mas estável, firme, fiel, que amadurece com o passar do tempo. É uma relação de afeto que nos faz sentir unidos» (Christus vivit, 152).
José Tolentino de Mendonça
Cardeal arquivista e bibliotecário da Santa Igreja Romana