· Cidade do Vaticano ·

Na encíclica «Fratelli tutti» a solicitação do Papa Francisco aos comunicadores

A primeira forma de solidariedade

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24 novembro 2020

Há já vários meses que o mundo da informação está absorvido pela pandemia de Covid-19. Um interesse que, devido a forças maiores, teve então que dar espaço  às eleições presidenciais nos Estados Unidos da América e à trágica espiral de violência jihadista que atingiu a França e a Áustria. Ao mesmo tempo, no entanto, uma grande sombra está a encobrir cada vez mais  o restante dos acontecimentos em escala planetária. Antes de mais, porque os mecanismos dos meios de comunicação, no perímetro do mundo como aldeia global, tornaram-se tão seletivos que a grande maioria dos acontecimentos que atingem as periferias acabam pontualmente no esquecimento.

Basta pensar no que aconteceu recentemente no Afeganistão quando um comando invadiu a sede da Universidade de Cabul, onde se realizava um evento com a participação das autoridades locais e iranianas. Três homens armados massacraram 22 estudantes e professores antes de serem mortos pelas forças de segurança. Na noite do mesmo dia, o Estado islâmico reivindicou a responsabilidade pelo ataque. Esta notícia foi captada por alguns jornais sem a devida ressonância.

Sem deixar de mencionar o que aconteceu na sexta-feira 30 de outubro em Butembo, no sector oriental da República Democrática do Congo. Nesse local, um grupo de homens armados, cuja identidade ainda hoje não é clara, atacou um bairro inteiro na periferia da cidade congolesa. Durante  o assalto, que durou cerca de duas horas, 19 pessoas perderam a vida, incluindo um catequista chamado Richard Kisusi.

O problema básico é que do sul do mundo, não importa de que continente se trate,  geralmente só se fala em referência à mobilidade humana, quer  em relação  à possibilidade de que entre os migrantes se escondam terroristas de matriz islâmica quer de  sujeitos portadores de doenças perniciosas.

E dizer que haveria histórias para contar,  positivas ou negativas, todos os factos e acontecimentos que pontualmente permanecem escondidos na gaveta, num contexto profundamente marcado pelo desinteresse geral em relação a dinâmicas consideradas geograficamente demasiado distantes.

Uma atualidade, por assim dizer de  série “b”, da qual voltamos a falar, de uma forma por vezes até sabichona e polémica, apenas quando certos acontecimentos interessam diretamente a nossa opinião pública, por exemplo,  em referência aos temas da hospitalidade e da integração.

Muitas pessoas objetam que uma informação internacional robusta não tem mercado e que, portanto, certas notícias não são vendidas porque não interessam a ninguém. Os apoiadores desta tese esquecem que a informação tem um valor educativo indiscutível e que a sua utilização, deontologicamente, não pode ser instrumental.

Como o Papa Francisco escreveu na sua última encíclica Fratelli tutti, «a verdadeira sabedoria pressupõe o encontro com a realidade. Hoje, porém, tudo se pode produzir, dissimular, modificar. Isto faz com que o encontro direto com as limitações da realidade se torne insuportável. Em consequência, implementa-se um mecanismo de “seleção”, criando-se o hábito de separar imediatamente o que gosto daquilo de que não gosto, as coisas atraentes das desagradáveis».

Na Idade Média, como muitos saberão, os alquimistas estavam em constante busca da “pedra filosofal”, ou seja, daquela substância catalisadora capaz de curar a matéria para alcançar a imortalidade e transformar o vil metal em ouro precioso. Hoje não podemos certamente esperar que a informação, por si só, possa provocar a mudança desejada, mas não há dúvida de que o conhecimento abre o horizonte e que a informação internacional é a primeira forma de solidariedade num mundo globalizado e interligado, no qual só nos podemos salvar juntos. Este é, aliás, o motivo inspirador do Documento sobre a fraternidade humana assinado pelo Papa Francisco e o Grão-Imame de al-Azhar em fevereiro de 2019. Um compromisso urgente que também diz respeito aos agentes da informação.

Giulio Albanese