Aviso: a viagem que estamos prestes a fazer pode ter alguns efeitos secundários. E até algumas surpresas. Porque descobrir como a pandemia está a mudar profundamente a vida dos santuários em todo o mundo e como tem forçado as peregrinações a mudar de forma e consistência, pode causar algum pequeno transtorno, alguma compreensível desilusão. Mas não irá certamente obscurecer a esperança e o otimismo gerados pelo conhecimento de que milhões de fiéis não abandonaram as pequenas ou grandes comunidades ao redor destes lugares santos, apoiando-as de todas as formas e com todos os meios. Mesmo estando a distâncias siderais uns dos outros. Das Américas à Europa, passando pela Ásia, os santuários que visitaremos procurarão contar o impacto do vírus no seu acolhimento, na sua pastoral, na sua precária economia. E eles tentarão desenhar um possível futuro próximo. A primeira etapa é o Brasil.
No Estado de São Paulo existe o município de Aparecida, com apenas 35 mil habitantes. Ali ergue-se majestosamente a basílica de Nossa Senhora Aparecida, padroeira do país. De acordo com os dados mais recentes, a estrutura detém a primazia de um dos santuários mais visitados do mundo: antes da crise sanitária, 13 milhões de peregrinos atravessavam todos os anos o seu limiar. Num único fim de semana, registavam-se 200.000. As celebrações eucarísticas eram muito participadas, numa igreja onde até 20 mil fiéis podiam assistir à Santa Missa. «Hoje tudo se tornou um deserto», admite o padre José Ulysses da Silva, porta-voz do santuário. «Já não podemos permitir — explicou desolado — a chegada de peregrinações organizadas. Agora, com a reabertura após o confinamento e no respeito do protocolo para a saúde, podemos acolher no máximo mil peregrinos por dia. Um número verdadeiramente simbólico, de mera representação».
Em vez dos milhares de autocarros de fiéis, muitas vezes estrangeiros, o santuário voltou a encher-se de famílias locais, que redescobriram a oração e a participação nos sacramentos. As grandes peregrinações, no entanto, não serão realizadas durante muito tempo, talvez possam recomeçar por completo com a chegada de uma vacina eficaz. Entretanto, são precisamente os responsáveis pelo santuário que desencorajam a chegada de grupos organizados: «Fazemo-lo — disse o porta-voz do santuário — pedindo a todos aqueles que gostariam de vir, que rezem onde estão, que não se ponham a caminho para chegar a Aparecida. Nós sacerdotes temos medo, não nos sentimos seguros em acolher tanta gente e não queremos que os nossos fiéis sofram qualquer dano». A única forma de responder às necessidades espirituais dos peregrinos continua a ser a utilização dos meios de comunicação do santuário, que durante o lockdown se demonstraram os instrumentos ideais para acompanhar, apoiar e encorajar. «Durante o lockdown — explicou José Ulysses da Silva — as celebrações foram transmitidas pela nossa televisão, rádio e redes sociais: a participação do povo aumentou vertiginosamente. Naquele momento, para permitir a participação de todos, multiplicámos as missas».
A festa da Virgem de Aparecida, que será celebrada a 12 de outubro próximo e que está no coração de todos os brasileiros, será realizada sobretudo de forma virtual, mesmo que seja permitida uma pequena participação física no santuário. Neste caso, prevê-se que as redes sociais vão ser literalmente invadidas porque a oração, neste tempo dramático, nunca diminuiu. «Pelo contrário — afirmou José Ulysses da Silva — aumentou. As pessoas sentem a presença viva de Nossa Senhora. A Virgem de Aparecida sempre foi vista como Nossa Senhora dos pobres, dos negros, do povo atingido pelas dificuldades da vida. E ninguém jamais pensou que a pandemia fosse um castigo divino. As pessoas vêm ao santuário para agradecer a Nossa Senhora e para mostrar confiança nela». Uma confiança sem limites, se calcularmos que todos os dias há centenas de intenções de oração que muitas pessoas enviam para o santuário, também por telefone, que toca incessantemente mesmo durante a noite. Os sacerdotes, para estarem ainda mais próximos dos fiéis, celebram semanalmente uma missa para recordar as vítimas da pandemia e aqueles que não puderam ter uma digna sepultura por causa do confinamento. Um momento muito aguardado e apreciado.
A propagação do vírus está também a mudar a dimensão social e económica do santuário e da cidade de Aparecida. Ambos vivem das receitas geradas pelas peregrinações e a sua inatividade prolongada está a lançar grandes sectores numa crise profunda: dos hotéis aos transportes, dos restaurantes às simples lojas de lembranças. Só a basílica emprega mais de 2.000 pessoas, um terço das quais se encontra agora em casa. «Não poderíamos fazer de outro modo, comentou José Ulysses da Silva, perdemos as ofertas dos peregrinos e as nossas lojas internas estão fechadas. Um drama para muitas famílias que vivem apenas disto».
Para não fazer precipitar a situação, há os devotos que, de todo o mundo, aliviam o sofrimento económico do santuário com as suas ofertas. José Ulysses da Silva relatou: «Graças a Deus, permaneceram muito fiéis e estão a ajudar-nos. São eles que nos permitem manter a rádio e a televisão e apoiar os colaboradores. Sem este grande empenho, não poderíamos fazer nada».
No final da primeira etapa desta viagem aos santuários do mundo atingidos pela violência do vírus, um dado parece incontroverso: se a organização e a estrutura da basílica de Nossa Senhora Aparecida teve necessariamente de se curvar às alteradas necessidades sanitárias, não foi por causa da sua essência íntima, à qual permaneceu fiel. O aumento da oração, da solidariedade, da compaixão e do apoio mútuo, é testemunho de como o santuário está a sair vitorioso da batalha contra a pandemia. Uma batalha difícil mas sem dúvida não impossível que certamente também diz respeito a outros lugares santos que procuraremos narrar. A viagem continua.
Federico Piana