Durante a sessão plenária da Congregação para a Doutrina da Fé, em 2018, a propósito das questões relativas ao acompanhamento dos doentes nas fases críticas e terminais da vida, os padres do dicastério sugeriram a oportunidade de um documento que tratasse desta temática, não apenas de modo doutrinalmente correto, mas também com uma forte abordagem pastoral e uma linguagem compreensível, à altura do progresso das ciências médicas. Era necessário aprofundar, de maneira particular, os temas do acompanhamento e do cuidado dos doentes dos pontos de vista teológico, antropológico e médico-hospitalar, focalizando também nalgumas importantes questões éticas, implicadas na proporcionalidade das terapias e relativas à objeção de consciência e ao acompanhamento pastoral dos doentes terminais.
À luz destas considerações, após várias fases preliminares de estudo em que diversos peritos ofereceram a sua qualificada contribuição redatorial, finalmente tomou forma um primeiro esboço de documento. Ao lado da figura do Bom Samaritano, o texto oferece uma breve referência à de Cristo sofredor, testemunha partícipe da dor física, da experiência da precariedade e até da desolação humana, que n’Ele se tornam abandono confiante ao amor do Pai. Uma entrega tão confiante de si mesmo ao Pai, no horizonte da Ressurreição, confere um valor redentor ao próprio sofrimento e descerra, para além das trevas da morte, a luz da vida ultraterrena. Ao ponto de vista daqueles que cuidam das pessoas nas fases críticas e terminais da vida, associou-se oportunamente no texto também uma perspetiva de esperança para o sofrimento vivido por quantos são confiados aos cuidados amorosos dos profissionais de saúde.
Com efeito, cada doente «necessita não somente de ser escutado, mas de perceber que o próprio interlocutor “sabe” o que significa sentir-se só, abandonado, angustiado diante da perspetiva da morte, da dor da carne, do sofrimento que surge quando o olhar da sociedade mede o seu valor em termos de qualidade de vida, fazendo-o sentir-se como um peso para os projetos dos outros» (p. 9). Por esta razão, «por mais importantes e cheios de valor que sejam, os cuidados paliativos não bastam se não houver ninguém que “esteja” junto do doente e lhe testemunhe o seu valor único e irrepetível [...] e é importante, numa época histórica em que se exalta a autonomia e se celebram os esplendores do indivíduo, recordar que, se é verdade que cada um vive o seu sofrimento, a sua dor e a sua morte, tais vivências são sempre carregadas do olhar e da presença de outros. Perto da Cruz estavam também os funcionários do Estado romano, os curiosos, os distraídos, os indiferentes e os ressentidos: estavam todos em volta da Cruz, mas não “estavam” com o Crucificado. Nas unidades de terapia intensiva, nas casas de cuidados para os doentes crónicos, pode-se estar presente como funcionários ou como pessoas que “estão” com o doente» (p. 11).
O documento, apresentado à atenção do Santo Padre e por ele aprovado em 25 de junho de 2020, é assim intitulado Samaritanus bonus. Foram escolhidos o género literário da Carta e a data de 14 de julho de 2020, memória litúrgica de São Camilo de Lellis (1550-1614). No século xvi — época em que o nosso Santo viveu — na sua maioria os incuráveis eram entregues a mercenários; alguns deles, delinquentes, eram obrigados à força àquela tarefa; outros resignavam-se a este trabalho, porque não tinham outra possibilidade de ganhar dinheiro. Camilo queria «novos homens para uma nova assistência». E um pensamento fixo apoderou-se dele: substituir os mercenários por pessoas dispostas a permanecer com os doentes apenas por amor. Desejava contar com pessoas que, «não por recompensa, mas voluntariamente, por amor a Deus, os servissem com aquela ternura que as mães costumam ter pelos seus filhos enfermos».
Embora o ensinamento da Igreja sobre este tema seja claro e contido em conhecidos documentos magisteriais — em particular a Carta Encíclica Evangelium vitae de São João Paulo ii (25 de março de 1995), a Declaração Iura et bona da Congregação para a Doutrina da Fé (5 de maio de 1980), a Nova Carta dos Agentes no Campo da Saúde (2016), do então Pontifício Conselho para a Pastoral no Campo da Saúde, além de numerosos discursos e intervenções dos últimos Sumos Pontífices — um novo pronunciamento orgânico da Santa Sé sobre o cuidado das pessoas nas fases críticas e terminais da vida pareceu oportuno e necessário em relação à situação atual, caracterizada por um contexto legislativo civil internacional cada vez mais permissivo no que diz respeito à eutanásia, ao suicídio assistido e às disposições sobre o fim da vida.
A este respeito, um caso muito especial em que é necessário reafirmar o ensinamento da Igreja é o acompanhamento pastoral de quantos pediram expressamente a eutanásia ou o suicídio assistido. Para receber a absolvição no sacramento da Penitência, bem como a Unção dos enfermos e o Viático, é necessário que a pessoa, eventualmente inscrita numa associação designada para lhe garantir a eutanásia ou o suicídio assistido, mostre a intenção de renunciar a esta decisão e de anular a sua inscrição naquela entidade. Não é admissível por parte daqueles que assistem espiritualmente tais enfermos, qualquer gesto externo que possa ser interpretado como aprovação, até implícita, da ação eutanásica, como por exemplo estar presente no momento da sua realização. Isto, juntamente com a oferta de ajuda e de escuta sempre possíveis, sempre concedidas, que devem ser sempre adotadas, com uma explicação minuciosa do conteúdo do sacramento, a fim de oferecer à pessoa, até ao último momento, os instrumentos para o poder receber em plena liberdade (cf. ponto v, 11, pp. 41-42).
Como se frisa no primeiro parágrafo do documento, intitulado Cuidar do próximo, «o cuidado da vida é, pois, a primeira responsabilidade que o médico experimenta no encontro com o doente. Ela não é redutível à capacidade de curar o doente, sendo o seu horizonte antropológico e moral mais amplo: também quando a cura é impossível ou improvável, o acompanhamento do médico/enfermeiro... psicológico e espiritual, é um dever imprescindível, já que o oposto constituiria um desumano abandono do doente. A medicina, com efeito, que se serve de muitas ciências, possui também uma importante dimensão de “arte terapêutica” que implica uma relação estreita entre paciente, profissionais da saúde, familiares e membros das várias comunidades de pertença do doente: arte terapêutica, ações clínicas e cuidado estão incindivelmente unidos na prática médica, sobretudo nas fases críticas e terminais da vida» (p. 6).
O testemunho cristão demonstra que a esperança é sempre possível, até quando a vida é envolvida e sobrecarregada pela “cultura do descarte”. E somos todos chamados a oferecer a nossa contribuição específica, porque — como disse o Papa Francisco (dirigindo-se aos líderes das Ordens dos médicos da Espanha e da América Latina, a 9 de junho de 2016) — estão em jogo a dignidade da vida humana e a dignidade da vocação médica.
Luis Francisco Ladaria Ferrer
Prefeito da Congregação para a doutrina da fé