· Cidade do Vaticano ·

A lição de Romano Guardini e a misteriosa luta noturna de Jacob com o anjo

Para um estilo profético da Igreja

Eugène Delacroix, «Jacob luta com o anjo»
04 agosto 2020

Acaba de ser publicado o livro La lotta di Giacobbe, paradigma della creazione artistica. Un’esperienza comunitaria di formazione integrale su Chiesa, estetica e arte contemporanea ispirata a Romano Guardini — “A luta de Jacob, paradigma da criação artística. Uma experiência comunitária de formação integral sobre Igreja, estética e arte contemporânea inspirada em Romano Guardini”, editado por Yvonne Dohna Schlobitten e Albert Gerhards (Assis, Cittadella Editrice, 2020, 510 páginas). Ao longo dos séculos, a página bíblica de Jacob que luta com o anjo, narrada pelo livro do Génesis (32, 23-33), gerou uma infinidade de reverberações. Este volume reúne as reflexões teóricas, artísticas e pedagógicas de uma experiência de formação integral, desabrochadas deste ícone bíblico, envolvendo um grupo de professores, artistas, estudantes e várias instituições (Pontifícia Universidade Gregoriana, Kunst-Station Sankt Peter Köln, Museus do Vaticano e Museu de Arte Contemporânea de Aachen). Com efeito, a luta de Jacob pode ser entendida como paradigma da criação artística, daquele processo complexo que implica tanto a reflexão (bíblica, histórica, filosófica, estética, teológica, pedagógica e espiritual) como a praxe (pictórica, escultórica). O volume contém mais de trinta contribuições de diferentes contextos disciplinares, além das ilustrações dos projetos dos artistas participantes. Nesta página publicamos uma reflexão do nosso diretor e excertos do prefácio, escrito pelo reitor da Pontifícia Universidade Gregoriana.

No célebre ensaio Sobre o sagrado, Rudolph Otto cita um trecho do Sermão sobre o Génesis, de Frederick W. Robertson, que se concentra no episódio bíblico do encontro-desencontro noturno entre Jacob e “alguém” (um anjo? o próprio Deus?) e afirma: «Naquela noite, no meio daquela estranha cena, Deus imprimiu na alma de Jacob uma consternação religiosa, a partir de então destinada a desenvolver-se [...] Jacob compreendeu o Infinito, aquele Infinito que é tanto mais genuinamente sentido, quanto menos mencionado». É uma noite de que se fala, uma noite marcada pela polarização sombra/luz, que começa nas trevas da solidão (“Jacob ficou sozinho...”) mas acaba luminosamente (“E o sol nasceu...”). Esta noite misteriosa, cheia de sinais, enigmas e presença humana e divina, é uma noite que no âmbito da filosofia e da arte gerou de modo inesgotável, e ainda hoje não deixa de gerar, tanto pensamento como beleza.

O livro que apresentamos, La lotta di Giacobbe, paradigma della creazione artistica, editado por Yvonne Dohna Schlobitten e Albert Gerhards, é uma sua confirmação clara e forte já na abordagem, como Dohna explica na introdução: «A intenção deste volume não consiste em aprofundar a contribuição de Guardini, mas em inspirar-se nela a fim de indicar o caminho para criar e viver experiências formativas de acordo com o seu estilo no nosso mundo contemporâneo. O projeto propõe uma nova educação para a contemporaneidade, através de um diálogo criativo para uma Igreja em saída». O que os autores, inspirando-se na leitura guardiniana do episódio bíblico (um acontecimento que contém a experiência da passagem, da transformação e da mudança), pedem à Igreja é que ela viva um estilo profético, inclusive em relação ao mundo da arte.

É forte o eco da pregação de Bergoglio, a quem o volume é dedicado, também à luz da dívida contraída, e sempre reconhecida, pelo jesuíta argentino com o teólogo ítalo-alemão. Neste sentido, é esclarecedor o texto inspirador do ensaio, no qual Guardini por um lado observa o dado decisivo de que no final Jacob venceu a luta com o anjo e, por outro, reflete sobre o tema da liberdade, dom dramático de Deus aos homens, chamados a «receber Deus como “bênção” e sob a forma do “nome” através da luta. Deus opõe-se a nós em tudo. [...] A sua força vem na nossa direção; mas tem a forma do amor, porque vem para ser superada»; por isso, Deus «não se eleva diante de nós como um muro, contra o qual se esmaga toda a força; não ataca como uma violência que predomina e destrói». Ao contrário, vem na figura do amor, que deseja ser vencido, para se poder conceder. Só se pode conceder se for vencido, assim dá a força e volta a chamá-la... Como é misterioso que uma criatura deve ser “forte” perante Deus!». Sente-se o mesmo timbre de Guardini, autor de L’opposizione polare, um texto que teve tanto impacto no pensamento de Bergoglio. À luz deste aspeto, o ensaio de Dohna e Gerhards revela-se não apenas como um audaz texto de filosofia estética, mas também como uma requintada introdução ao pensamento e à pregação do Papa Francisco, entendidos no momento presente da “luta”, extenuante mas vital, com a contemporaneidade.

Andrea Monda