· Cidade do Vaticano ·

Emoção estética

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04 agosto 2020

O processo de criação artística adquire formas muito diferentes. Compreendemo-lo, quando os artistas aceitam falar sobre si mesmos. Nestas narrações, para além das alegrias, muitas vezes vislumbramos processos criativos laboriosos e, em particular, batalhas com a matéria que é transformada e recriada, com as palavras que adquirem novos significados, ou com os sons e os silêncios que confluem nas composições musicais.

Através da diversidade dos processos criativos, o artista narra-se a si mesmo, comunica emoções e pensamentos e, mais ou menos explicitamente, intervém no debate social. Para o espetador, numa perspetiva simétrica igualmente diversificada, a ideia ou fruição de uma obra de arte é um processo de comunhão, às vezes não imediato, por causa da riqueza dos significados que nos são propostos, ou devido à impenetrabilidade dos símbolos com que nos confrontamos. Diante da obra de arte, há necessidade de aceitação, humildade, educação dos sentidos, sensibilidade e disponibilidade ao encontro, atitudes que nos ajudam a ir além das possíveis dificuldades iniciais, para entrar no mistério da beleza e da comunhão, ou seja, no mistério daquilo que me ensinaram a denominar “emoção estética”. Neste sentido, se a criação artística adquire formas muito diferentes, é igualmente verdade que a ideia de uma obra de arte é tanto diferente quanto as pessoas envolvidas.

Os gestos da criação artística aproximam-nos do ato criador por excelência, que é o do próprio Deus. Assim como a criação de Deus é um mistério que desvendamos lentamente, do mesmo modo a criação artística constitui um mistério em que só podemos penetrar pouco a pouco. Portanto, aproximar-se da experiência espiritual e da criação artística é mais urgente e necessário do que nunca. Provavelmente, este é o verdadeiro caminho para encarar o afastamento entre os artistas e a Igreja, um divórcio que São Paulo vi e os seus sucessores se esforçaram muito por superar, conscientes de que a via pulchritudinis é inseparável da missão evangelizadora de todos os batizados.

Estes são os pensamentos que me vêm à mente quando folheio estas páginas, cujo fio vermelho é a apresentação do episódio bíblico da luta de Jacob como paradigma da criação artística. Com efeito, na luta de Jacob há tenacidade, superação de si mesmo, comunhão, pedido de bênção... No diálogo entre o artista, a obra de arte e quem a admira, estas atitudes são indispensáveis e deveríamos agradecer a quantos nos ajudam a aprofundar este mistério de comunhão, como acontece nestas páginas. Portanto, dirijo a minha gratidão aos autores do livro e aos participantes no projeto interdisciplinar do qual ele é o fruto. Neste projeto interdisciplinar, nascido na Faculdade de História e Bens Culturais da Igreja, da Pontifícia Universidade Gregoriana, colaboraram professores, estudantes e artistas, todos envolvidos numa “luta de Jacob” que, não obstante os seus esforços, foi para todos uma confirmação, uma bênção e um enriquecimento. Agora nós, leitores, participamos nesta bênção e enriquecimento. Portanto, dirijo o meu reconhecimento e gratidão à doutora Yvonne Dohna Schlobitten, principal idealizadora e organizadora do projeto.

Nuno da Silva Gonçalves
reitor da Pontifícia Universidade Gregoriana