· Cidade do Vaticano ·

Chico Mendes, defensor da Amazónia

A plenos pulmões

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28 julho 2020

«Este é um livro que acaba mal, a 22 de dezembro de 1988, em Xapuri: uma pequena aldeia no Brasil, precisamente no meio da floresta amazónica. Vista de cima, é apenas um punhado de cabanas que surge onde um rio com o mesmo nome, Xapuri, se funde com outro muito maior: o Acre. É um lugar remoto, difícil de alcançar e de onde é difícil fugir. Precisamente por este motivo, é um lugar onde a lei não chega. E a palavra “justiça” perde o seu significado. Este é um livro que acaba mal, no dia 22 de dezembro de 1988. Mas começa algum tempo antes. Com uma família. E com uma mudança para a floresta».

É publicado em homenagem a Chico Mendes (1944-1988) o novo volume da coletânea Semplicemente Eroi [“Simplesmente Heróis”] de Einaudi Ragazzi Chico Mendes, difensore dell’Amazzonia (Trieste, 2020, 128 páginas), dedicada a histórias verdadeiras e fortes de mulheres e homens, modelos para o nosso tempo. A vida do sindicalista e ativista brasileiro, grande paladino da Amazónia e dos povos que ali vivem, na linha da frente contra a ganância de criminosos dispostos a queimar o planeta para obter lucros, é narrada por Davide Moronisotto, também autor das biografias de Franco Basaglia e Peppino Impastato.

A história é narrada através da voz e do olhar de Zuza, um seringueiro muito jovem que se transfere para a floresta com a sua família.

E a floresta é a primeira grande protagonista desta história. A floresta com os seus animais e cores, com as suas estações, a sua vegetação, um conjunto de vida e vidas que sobrevive graças e através da presença harmoniosa de todos os elementos. Zuza aprende os seus segredos e perigos, potencialidades e armadilhas, mas acima de tudo compreende o imenso valor desta floresta que permite ao mundo inteiro respirar. Com efeito, são as árvores — descobre o menino — que fabricam ar e produzem oxigénio, oferecendo às pessoas a possibilidade de viver.

Entre as árvores da floresta, é a seringueira que garante o sustento da família de Zuza: as páginas de Moronisotto oferecem aos jovens leitores um interessante panorama do modo como se obtém um elemento de uso diário. «“É uma árvore da borracha, explicou o pai, imediatamente debaixo da sua casca escorre látex, a substância que devemos recolher e que no final da estação vamos vender em Xapuri” (...) Zuza pensou no pneu de um carro e olhou para a árvore ao seu lado. Era incrível que estas duas coisas pudessem estar ligadas».

Mas o pulmão verde do planeta, tão precioso e vital, é ameaçado por homens poderosos que não hesitam em destruí-lo para obter lucro. E espezinhar quantos vivem graças a ele, no mais profundo respeito pelo equilíbrio da natureza.

Zuza descobre a violência sem escrúpulos, os abusos, o ódio contra os fracos, mas descobre também pessoas que não abaixam a cabeça. Pois é na floresta que o menino conhece um homem, apesar de ter crescido em condições de semiescravidão, que aprendeu a ler, a compreender o que lia, a entender o significado de palavras como justiça e direitos, e a lutar para as ver aplicadas.

Ao criar o sindicato, Chico Mendes, um daqueles que chamavam a atenção do mundo para a Amazónia, ofereceu aos habitantes da floresta uma direção, um sentido de pertença, um objetivo comum, a força que vem de se sentir parte de uma comunidade em luta e a caminho, e além de tudo isto uma clínica e uma escola («Zuza aprendeu que cada rabisco do livro correspondia a um som. E os sons reunidos formavam palavras. Foi uma invenção extraordinária, uma magia. Era suficiente conhecer as letras e depois criar todas as palavras do mundo. E com palavras surgiam novas ideias. Pensamentos novos»).

Porque o que Chico Mendes ensina é o valor da responsabilidade pessoal para com os filhos e as gerações futuras. O dever de defender «o direito de crescer, trabalhar e permanecer na floresta (...) É por isso lutamos aqui. Pois bem, disse o pai, quero que esta seja também a minha batalha».

O livro acaba mal, Mendes — como se sabe — será assassinado e décadas depois daquele 22 de dezembro de 1988, a Amazónia continua a ser saqueada. Mas Chico Mendes semeou muito e bem. A sua luta pela justiça e pelo respeito é íngreme, mas respira a plenos pulmões.

Silvia Gusmano