«Devemos construir um mundo que não seja totalmente igual, que utilize toda a riqueza que temos, mas que seja também capaz de sonhar com novos mundos, aprendendo com todos os esforços que foram feitos neste momento para construir uma humanidade melhor para todos. Este é o desejo expresso pelo bispo de Setúbal, José Ornelas Carvalho, eleito novo presidente da Conferência Episcopal Portuguesa que se reuniu em sessão plenária em Fátima de 15 a 17 de junho passado. No final dos trabalhos foi elaborado um documento que representa, explicou o prelado, uma reflexão sobre a reconstrução da sociedade em Portugal após a pandemia do coronavírus.
A principal lição a aprender com o sofrimento e a dor causados pela Covid-19, lê-se no documento, «é a redescoberta do valor de cada vida humana, pois só esse valor pode justificar as consequências das medidas tomadas para evitar a propagação da doença». Juntamente com ele, continuam os bispos, foi também reavaliado o valor da missão dos profissionais de saúde que merecem reconhecimento pela atenção dispensada aos doentes. Sobretudo pela sua admirável dedicação ao cuidado dos idosos, procurando aliviar o seu sofrimento e fragilidade. Mas se, por um lado, se descobriu a importância da defesa da vida humana, por outro, salientam os prelados, encontramo-nos confrontados com a sua precariedade. Por isso, «ela deve ser também uma oportunidade para redescobrir Deus, a quem devemos esta vida e que nos chama a partilhar com Ele outra Vida, de plenitude e eternidade».
Outro aspeto dramático causado pela doença infecciosa é o que está relacionado com a crise económica, sublinha o documento. «A pandemia fez-nos sentir que somos uma só família humana e que “estamos todos no mesmo barco”». Seria positivo se esta consciência «fosse alargada a outras áreas da vida social, antes de mais à forma de lidar com a crise económica e social que já estamos a atravessar». No entanto, a superação desta situação exige uma coesão sem precedentes entre os atores sociais e políticos. «O Estado tem um papel importante — é reiterado — mas talvez ainda mais importante seja o da sociedade civil. Esta crise parece não ter precedentes na sua gravidade e, por conseguinte, requer um esforço de solidariedade extraordinário».
Quais são, então, as bases a partir das quais recomeçar para reconsiderar o sistema económico? «Preservar o que é bom e corrigir o que é negativo e injusto — sugerem os prelados — como a desigualdade e a destruição do meio ambiente». Uma oportunidade única, em síntese, para dar vida a um projeto «no qual os valores da solidariedade não só movam ações de apoio social, mas também penetrem na economia e no mercado». Só assim será possível criar empregos «através de métodos mais rápidos e económicos, com requisitos estruturais de longo prazo que exijam investimentos mais consentâneos com os objetivos do desenvolvimento sustentável». Devemos resistir — advertem — à tentação de ver a curto prazo e esquecer os perigos muito mais graves que podem ocorrer num futuro não tão distante».
A globalização da solidariedade, portanto, partindo precisamente das intervenções de saúde pública: por exemplo, tornar a futura vacina contra a Covid-19 acessível a todos. É também isto que os governos da União Europeia são chamados a fazer, está escrito no documento, enfrentando um desafio «que pode ser o maior da sua história» e agindo como uma verdadeira comunidade, onde cada qual sente os dramas que afetam os outros como se fossem seus.