Introdução
Ontem recebi uma carta de um grupo de artistas: agradeciam a oração que fizemos por eles. Gostaria de pedir ao Senhor que os abençoe porque os artistas nos fazem compreender o que é a beleza e sem a beleza o Evangelho não pode ser compreendido. Rezemos mais uma vez pelos artistas.
Homilia
Quando Paulo foi convidado para falar na sinagoga em Antioquia [na Pisídia] para explicar esta nova doutrina, ou seja, explicar Jesus, proclamar Jesus, ele começa da história da salvação (cf. At 13, 13-21). Paulo levantou-se e falou: «O Deus deste povo de Israel escolheu a nossos pais, e exaltou o povo, sendo eles estrangeiros na terra do Egito; e com braço poderoso os tirou dela» (At 13, 17)... e [relatou] toda a salvação, a história da salvação. Estêvão fez o mesmo antes do martírio (cf. At 7, 1-54), e também Paulo, noutro momento. O autor da Carta aos Hebreus faz o mesmo quando conta a história de Abraão e de «todos os nossos pais» (cf. Hb 11, 1-39). Nós hoje cantamos o mesmo: «Hei de cantar para sempre o amor do Senhor, e hei de anunciar a Sua lealdade pelas gerações» (Sl 88, 2). Cantamos a história de David: «Encontrei David, meu servo» (v. 21). Mateus (cf. 1, 1-14) e Lucas (cf. 3, 23-38) fazem o mesmo: quando começam a falar de Jesus, citam a sua genealogia.
O que está por detrás de Jesus? Há uma história. Uma história de graça, uma história de eleição, uma história de promessa. O Senhor escolheu Abraão e caminhou com o seu povo. No início da Missa, no canto inicial, dissemos: «Quando avançastes, Senhor, diante do vosso povo e abristes o caminho e caminhastes ao lado do vosso povo, perto do vosso povo». Há uma história de Deus com o seu povo. E é por isso que quando pediram a Paulo que explicasse o porquê da fé em Jesus Cristo não começa a partir de Jesus Cristo: começa com a história. O cristianismo é uma doutrina, sim, mas não só. Não são apenas as coisas em que acreditamos: é uma história que carrega esta doutrina que é a promessa de Deus, a aliança de Deus, ser eleito por Deus. O cristianismo não é apenas uma ética. Sim, de facto, tem princípios morais, mas não se é cristão apenas com uma visão de ética. É mais do que isso. O cristianismo não é uma “elite” de pessoas escolhidas pela verdade. Este sentido elitista que depois vai em frente na Igreja, não é? Por exemplo, eu pertenço a esta instituição, pertenço a este movimento que é melhor do que o vosso. Este, aquele. É um sentido elitista. Não, o Cristianismo não é isto: o Cristianismo é pertença a um povo, a um povo escolhido livremente por Deus. Se não tivermos esta consciência de pertença a um povo seremos cristãos ideológicos, com uma pequena doutrina de afirmação da verdade, uma ética, uma moral - está bem - ou uma elite. Sentimo-nos parte de um grupo escolhido por Deus - os cristãos - os outros irão para o inferno ou se forem salvos é pela misericórdia de Deus, mas eles são os descartados... E assim por diante. Se não tivermos a consciência de pertença a um povo, não somos verdadeiros cristãos.
É por isso que Paulo explica Jesus desde o início, começando pela pertença a um povo. E muitas vezes, muitas, caímos nestas parcialidades, sejam elas dogmáticas, morais ou elitistas, não é verdade? O sentido da elite é o que nos faz muito mal e perdemos o sentido de pertencer ao santo povo fiel de Deus, que Deus elegeu em Abraão e prometeu, a grande promessa, Jesus, e o fez prosseguir com esperança, fazendo aliança com ele. Consciência de povo.
Impressiona-me sempre o trecho do Deuteronómio, acho que é o capítulo 26, quando diz: «Uma vez por ano, quando fores apresentar as tuas oferendas ao Senhor, as primícias, e quando o teu filho te perguntar: “Pai, por que fazes isto?”, não lhe deves dizer: “Porque Deus mandou”, não: “Éramos um povo, éramos assim, e o Senhor nos libertou...”» (cf. Dt 26, 1-11). Contar a história, como fez Paulo. Transmitir a história da nossa salvação. O próprio Senhor no Deuteronómio aconselha: «Quando chegares à terra que não conquistaste, que eu conquistei, e comeres os frutos que não plantaste, e habitares as casas que não construíste, quando deres a oferta» (cf. Dt 26, 1), recita - o famoso credo deuteronómico -: «Arameu, prestes a perecer, foi meu pai, e desceu ao Egito» (Dt 26, 5). Permaneceu ali durante 400 anos, depois o Senhor libertou-o, levou-o adiante. Canta a história, a memória de povo, de ser um povo.
E nesta história do povo de Deus, até Jesus Cristo, havia santos, pecadores e muitas pessoas comuns e boas, com virtudes e pecados, todos. A famosa “multidão” que seguia Jesus, que tinha a intuição de pertencer a um povo. Um cristão auto-intitulado que não tem esta intuição não é um verdadeiro cristão; é um pouco particular e sente-se justificado sem o povo. Pertencer a um povo, ter memória do povo de Deus. E isto foi ensinado por Paulo, Estêvão, outra vez Paulo, os Apóstolos... E o conselho do autor da Carta aos Hebreus: «Lembrai-vos dos vossos antepassados» (cf. Hb 11, 2), isto é, daqueles que nos precederam neste caminho de salvação.
Se alguém me perguntasse: “Na sua opinião qual é o desvio dos cristãos hoje e sempre? Qual é o desvio mais perigoso dos cristãos”, diria sem dúvida: a falta de memória de pertença a um povo. Quando falta isto, surgem os dogmatismos, os moralismos, os eticismos, os movimentos elitistas. Falta o povo. Um povo pecador sempre, todos somos, mas que em geral não errado, que tem a intuição de ser povo eleito, que caminha atrás de uma promessa e que estabeleceu uma aliança que talvez não cumpra, mas tem consciência dela.
Pedir ao Senhor esta consciência de povo, que Nossa Senhora cantou tão lindamente no seu Magnificat (cf. Lc 1, 46-56), que Zacarias cantou tão bem no seu Benedictus (cf. vv. 67-79), cânticos que rezamos todos os dias, de manhã e à noite. Consciência de povo: nós somos o povo santo e fiel de Deus que, na sua maioria, como diz o Concílio Vaticano I, e depois o II, tem a intuição da fé e é infalível nesta forma de acreditar.
Oração para fazer a Comunhão espiritual
Ó meu Jesus, prostro-me aos vossos pés e ofereço-vos o arrependimento do meu coração contrito que mergulha no vosso coração e na vossa santa presença. Adoro-vos no Sacramento do vosso amor, a inefável Eucaristia. Desejo receber-vos na pobre morada que o meu coração vos oferece. À espera da felicidade da Comunhão sacramental, quero possuir-vos em espírito. Vinde a mim, ó meu Jesus, e que eu venha a Vós. Que o vosso amor possa inflamar todo o meu ser, na vida e na morte. Creio em Vós, espero em Vós, amo-vos.