· Cidade do Vaticano ·

Entrevista à presidente da Comissão europeia sobre o pós-pandemia

Para ser forte a Europa permaneça unida e solidária

A presidente Ursula von der Leyen durante uma conferência em vídeo (Afp)
08 maio 2020

O sonho de Robert Schuman e dos Pais Fundadores da Europa continua vivo e pode ajudar os povos europeus a superar a crise provocada pela pandemia, reforçando os fundamentos da solidariedade. Na véspera do Europa Day, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, falou a L’Osservatore Romano e a Vatican News sobre os principais temas do momento, tais como o compromisso para encontrar uma vacina contra a Covid-19, e as medidas para apoiar a economia continental. Von der Leyen insistiu também sobre os apelos do Papa Francisco pela unidade dos povos europeus contra os egoísmos nacionalistas e sobre o papel que a União Europeia poderá desempenhar a nível internacional após o fim da pandemia.

Presidente Ursula von der Leyen, alguns meses após a sua eleição como chefe da Comissão Europeia, a senhora deve enfrentar uma crise sem precedentes para a Europa. Como vive, pessoalmente, este momento difícil?

A crise atual coloca todos nós à prova, até ao extremo. Há já dois meses que passo a maior parte do tempo em Berlaymont, o edifício que hospeda a Comissão em Bruxelas. Devido ao risco de contágio, atualmente há apenas um pequeno grupo de   doze funcionários que trabalham ali. Embora estejamos no mesmo edifício, falo com os comissários todos os dias em ligação vídeo. Procuro respirar um pouco de ar fresco e ver o sol pelo menos uma vez por dia. E às vezes consigo ir correr nalgum lugar verde. É disto que a alma precisa. Além disso, todas as noites falo em ligação vídeo com o meu marido e os meus filhos grandes. Estou feliz por todos estarem bem. Penso também nas numerosas famílias que não são tão afortunadas e que devem preocupar-se muito com os seus entes queridos. É isto que motiva o meu trabalho como presidente da Comissão, para ajudar os países e as pessoas no mundo a enfrentar esta crise profunda da melhor forma possível. Atualmente, muitas pessoas são obrigadas a ficar em casa. Tenho a possibilidade de fazer muitas coisas. Isto ajuda-me.

A 9 de maio celebramos o Dia europeu. Que significado pode ter hoje, para os cidadãos europeus, que enfrentam a crise mais grave depois da segunda guerra mundial?

A União Europeia melhorou o destino do nosso continente. Nasceu das cinzas de uma crise que assolou o continente. E é em tempos de crise como a atual que podemos apreciar o seu verdadeiro valor. Para os meus pais, a Europa significava paz. Para a minha geração, significa liberdade e Estado de direito. Para a geração dos meus filhos, significa futuro e abertura ao mundo. Às vezes consideramos  a Europa como garantida. Esquecemos que é um bem precioso viver na prosperidade económica, na coesão social, no respeito pelos direitos humanos. Tal como no caso da liberdade e da saúde, só apreciamos o seu verdadeiro valor quando tememos perdê-los. A atual pandemia recorda-nos isto de modo doloroso. Como disse Alcide De Gasperi: «Só se estivermos unidos seremos fortes, só se formos fortes seremos livres». Devemos continuar a trabalhar por uma Europa mais próxima e mais unida. Este ano a Festa  da Europa foi um pouco diferente. Mas espero que, para todos os europeus, possa contudo ser um momento de celebração da amizade, unidade e solidariedade entre países e pessoas.

Neste momento de pandemia, o Papa Francisco exortou várias vezes a Europa a voltar ao sonho dos Pais Fundadores, um sonho de solidariedade e de paz. É possível realizar este sonho? Como podemos concretizá-lo?

A 9 de maio celebramos o 70º aniversário da declaração de Robert Schuman, que depois se tornou o ponto de partida do nosso caminho rumo à União Europeia. A declaração de Schuman mudou o destino do nosso continente. As suas exigências de uma Europa unida e solidária são  válidas como nunca. Hoje não vejo melhor homenagem às palavras de Schuman do que a solidariedade entre os países da União Europeia. Os médicos e enfermeiros romenos e noruegueses que foram a Bergamo para assistir os doentes, a Alemanha que ofereceu as suas unidades de cuidados intensivos a doentes da Itália; a França, os Países Baixos e a República Checa que enviaram máscaras à Espanha. O choque do coronavírus contém também uma mensagem saudável em sentido lato: quem olha só para si não vai longe. Somente juntos podemos superar crises importantes, conflitos e reformas. Isto é válido também para o plano de recuperação ou para a nossa União Europeia. Deve ser forte e traçar com amplas pinceladas o caminho da Europa rumo ao futuro. Luto por uma Europa fundamentada na solidariedade, que abrace com coragem as oportunidades verdes e digitais e que esteja preparada mais solidamente para crises futuras.

A pandemia evidencia novos egoísmos nacionalistas. Também o Papa Francisco lançou o alarme a tal respeito. A senhora receia que os povos europeus se possam afastar das suas instituições a nível continental? O que podem os líderes europeus fazer para evitar que isto aconteça?

Devemos ser vigilantes. Mas como vemos, os governos nacionalistas do mundo não têm respostas a dar a uma pandemia que não conhece confins, religiões nem cor da pele. No início da crise, alguns Estados-Membros da União Europeia sentiram o instinto de se fechar e de tomar medidas de modo isolado. Mas no final tudo isto não foi eficaz e criou problemas. Assim, os governos concluíram depressa que só podemos proteger os nossos cidadãos se trabalharmos em conjunto, se nos ajudarmos uns aos outros e se compartilharmos. Na União Europeia, juntos adotamos centenas de medidas para assegurar que os hospitais na Itália ou na Espanha pudessem dispor dos equipamentos de que precisavam, que os bens essenciais, como medicamentos ou alimentos, chegassem rapidamente às farmácias ou lojas, que os trabalhadores das regiões fronteiriças pudessem atravessar o confim para chegar ao lugar de trabalho e que as pessoas mantivessem o seu emprego. Agir concretamente para proteger a saúde e os lugares de  trabalho das pessoas: é isto que devemos continuar a fazer.

Durante a crise financeira de 2012, Mario Draghi, nessa época presidente do Banco Central Europeu, afirmou que o euro deve ser preservado a qualquer preço. “Whatever it takes” (Custe o que custar), disse. Na sua opinião, está hoje a União Europeia disposta, “custe o que custar” a salvar a economia do continente?

Faremos tudo o que estiver ao nosso alcance para manter os lugares de trabalho das pessoas e para apoiar as empresas ameaçadas pelo colapso da atividade económica. Já adotamos muitas medidas de apoio. Modificamos as normas sobre as ajudas estatais para permitir que os governos auxiliem as empresas que se encontram em dificuldades por causa da crise. Recorremos à plena flexibilidade das nossas regras orçamentais para permitir que os governos contrastem a crise. Até agora, a União Europeia mobilizou mais de três mil biliões de euros para ajudar as pessoas, as empresas e a economia nos nossos Estados-Membros. É a resposta económica mais imponente do mundo. Só para citar um exemplo tangível: a União Europeia ajudará as pessoas a manter o emprego, apoiando o trabalho a  tempo parcial.  Disponibilizamos cem biliões de euros para este modelo, semelhante ao subsídio de desemprego. Agora devemos elaborar um plano de recuperação, construído sobre um orçamento europeu sólido, que permita a recuperação das nossas economias. Estou certa de que todos os governos da União Europeia entendem a dimensão do desafio e que estaremos à altura da tarefa.

Depois desta crise, que papel poderá desempenhar a Europa  a nível internacional? Na sua opinião, que aspeto terá o multilateralismo após a crise atual?

Este vírus demonstra como o mundo está interligado. Estamos perante uma pandemia global e a única forma de derrotar o vírus é através da cooperação internacional e da solidariedade.

Tal foi o objetivo do evento para a angariação de fundos “Coronavirus Global Response”, que convoquei a 4 de maio, juntamente com numerosos governos da União Europeia e de outros parceiros. Mais de cinquenta chefes de Estado e de governo, organizações de saúde e empresários do mundo inteiro uniram-se a nós para angariar fundos e dar início a um trabalho sem precedentes em matéria de vacinas e tratamentos contra o coronavírus. Angariamos 7,4 biliões de euros, mais de metade provenientes da União Europeia e dos seus governos. E reunimos sob o mesmo teto organizações globais que trabalham para desenvolver vacinas, tratamentos e meios diagnósticos, e para os tornar disponíveis, a preços acessíveis, no mundo inteiro. O bom êxito deste evento demonstrou-nos, mais uma vez, a força do trabalho conjunto.

Alessandro Gisotti