«Amisericórdia não abandona quem fica para trás», recordou o Papa na homilia de domingo, durante a missa celebrada na igreja do Espírito Santo “in Sassia”, Santuário da Divina Misericórdia. Poder-se-ia acrescentar: a misericórdia é aquilo que nos torna humanos. Se num grupo de animais que migram um pára porque está cansado, doente, ferido, os outros não esperam por ele, não se importam, abandonam-no. Ao contrário dos seres humanos. Naquele momento, quando alguém cai, irrompe algo na alma e nas ações que soa humano e ao mesmo tempo mais do que humano, e que dá outra direção, outra dimensão à cadeia de eventos naturais. Acontece que paramos para esperar pelo outro. Este “algo”, humano e mais do que humano, é a misericórdia, que do homem mostra um rosto maior, um rosto divino. Nas narrações dos Evangelhos, praticamente em cada página, pode-se ver este semblante, que é a face de Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, que mostra de que “massa” são feitos os homens, a sua, embora muitas vezes o esqueçam.
No Evangelho Jesus caminha sobretudo com um ritmo urgente e premente, move-se de cidade em cidade para pregar (a este respeito, é exemplar o filme de Pasolini, inspirado no texto de Mateus) e muitos procuram acompanhá-lo, mas não conseguem: coxeiam ou, pior ainda, procuram superá-lo, limitando-o nos seus pequenos projetos de poder. No início de Simone Bariona (“Simão, filho de Jonas”), a bonita história dedicada às memórias de São Pedro idoso, o escritor italiano Ferruccio Parazzoli faz com que o protagonista diga: «Mais um pouco de paciência, Senhor, bem sei que eu chegava sempre atrasado». Com efeito, o ritmo de Jesus é difícil de seguir, também porque é desnorteante, paradoxal, e escapa sempre às tentações ideológicas, indo sempre “além”, como está escrito no início do Evangelho de Marcos; contudo, quando vê que uma das suas ovelhas perde o seu caminho, pára sempre e volta para a salvar. É o que acontece nas narrações dos Evangelhos do período da Páscoa, relacionadas com as aparições do Ressuscitado. Com efeito, Jesus deu o passo mais longo de todos, venceu a morte, é verdadeiramente inalcançável e, no entanto, decide regressar para retomar os seus, os “irmãos” como lhes chama (e só depois da ressurreição usa este termo), e vai ao encontro precisamente daqueles que alguns dias antes o tinham abandonado, negado, traído. Escolha surpreendente! No mundo desportivo, as pessoas dizem muitas vezes “equipe que ganha não se troca”, mas Jesus, ao contrário, inverte a lógica: não se troca exatamente na equipe que perde. É a esta equipe que se deve dar confiança, transmitir esperança. E assim volta precisamente aos seus, não os abandona. E se por acaso um só deles estiver ausente, regressa de propósito ao seu encontro, à última ovelha perdida, Tomé, a quem deixa tocar as feridas, “fendas de esperança”, e é precisamente sua, recorda o Papa, «a mais simples e bonita profissão de fé»: «Meu Senhor e meu Deus!». É graças a este cuidado atento do seu pastor, a este amor paciente e misericordioso do Mestre, que depois os discípulos poderão fazer o que fizeram a partir do dia de Pentecostes: recomeçar com ímpeto e evangelizar o mundo com coragem e alegria invencíveis no coração. Eis o ponto essencial do cristianismo: o nexo inseparável entre o amor recebido e o amor dado, a correspondência entre as duas medidas, o perdão das ofensas dos outros porque as nossas foram perdoadas. A imagem dos cristais, evocada pelo Papa, é bonita e eficaz: «Frágeis e simultaneamente preciosos. E se formos transparentes diante d’Ele como o cristal, a sua luz – a luz da misericórdia – brilhará em nós e, por nosso intermédio, no mundo».
Não se trata somente de uma bela imagem, nem de uma história de há vinte séculos, mas do que acontece hoje, todos os dias e, acima de tudo, do que deverá acontecer amanhã. Se é verdade que «a misericórdia não abandona quem fica para trás», o Papa exorta-nos a viver de modo consequente: «Agora, enquanto pensamos numa recuperação lenta e fadigosa da pandemia, é precisamente este perigo que se insinua: esquecer quem ficou para trás [...] Naquela comunidade, depois da ressurreição de Jesus, apenas um ficou para trás e os outros esperaram por ele. Hoje, parece dar-se o contrário: uma pequena parte da humanidade avançou, enquanto a maioria ficou para trás».
A visão lúcida e profética do Papa Francisco alerta para o maior risco que o mundo inteiro enfrenta hoje, no momento em que se pode começar a imaginar uma recuperação da terrível emergência de saúde: o risco de uma retomada a duas velocidades. Mas voltar ao mundo como era antes da pandemia, não só não é possível como não seria correto, aquele mundo não era justo. Com efeito, no mundo de ontem prevaleceram muitas vezes os «interesses partidários» e isto poluiu a política, aquela «forma alta de caridade», segundo a expressão de Paulo vi, citada pelo Papa nas intenções da missa desta manhã na Casa Santa Marta; agora, ao contrário, os partidos políticos «procurem o bem do país e não o bem do próprio partido». Hoje abre-se diante de nós o mundo de amanhã e então, exorta-nos o Papa, que seja verdadeiramente «novo», um mundo de ressurreição após a morte: «Aproveitemos esta provação como uma oportunidade para preparar o amanhã de todos. Porque, sem uma visão de conjunto, não haverá futuro para ninguém. Hoje, o amor desarmado e desarmante de Jesus ressuscita o coração do discípulo. Também nós, como o apóstolo Tomé, acolhamos a misericórdia, salvação do mundo. E usemos de misericórdia para com os mais frágeis: só assim reconstruiremos um mundo novo».
Andrea Monda