A seguir, a entrevista concedida pelo cardeal João Braz de Aviz para o número
de fevereiro da revista «Mulheres Igreja Mundo».
Na vida consagrada, o ramo feminino é mais numeroso do que o masculino. Em Roma, encorajada pelo Papa Francisco, a Congregação para os institutos de vida consagrada e as sociedades de vida apostólica esforça-se por alcançar a igualdade. Hoje há quinze mulheres em trinta e oito oficiais. Dos cinco departamentos da Congregação, dois são dirigidos por mulheres. O cardeal prefeito João Braz de Aviz é orgulhoso disto. Acolhedor e jovial, o cardeal brasileiro não evita pergunta alguma, nem sequer a mais constrangedora: os conventos que fecham, os abusos sexuais, os abusos de poder, a má gestão dos bens, as estruturas complexas que precisam ser reformadas. Ele não perde a esperança.
Eminência, há sombras e luzes no panorama geral da vida consagrada feminina. Entre as sombras, verifica-se uma importante crise de vocações. Na sua opinião a situação é preocupante?
A situação varia de um continente para outro. A Europa atravessa um momento realmente difícil, fecham-se muitas casas, há também muitos abandonos. Na Ásia, ao contrário, temos um número impressionante de vocações religiosas femininas. Por exemplo, no Vietname, um país comunista, há mil noviças cada ano! Encontramos um fenómeno semelhante na África, enquanto a América Latina vive um período de estagnação. Na Europa, a vida consagrada tem raízes muito fortes, mas não nos demos conta de que algumas coisas precisam ser mudadas, porque envelheceram. A formação em primeiro lugar, depois a questão da fraternidade — não podemos ser individualistas que vivem juntos — e, por fim, a relação autoridade-obediência. Sem esquecer a relação homem-mulher: por que o consagrado e a consagrada devem estar tão separados? Temos que rever a questão do uso dos bens. Algumas ordens ou congregações têm muitas propriedades, muito dinheiro, outras quase nada, e ainda há pouco intercâmbio.
Exatamente! O Papa Francisco, falando sobre a diminuição das vocações na vida consagrada, disse: o risco é que a congregação cada vez menor se apegue ao dinheiro. É assim?
Às vezes, cinco mulheres administram um enorme património. Este é um grande problema, porque os bens não são da congregação nem daquelas cinco pessoas. Os bens pertencem à Igreja. Organizámos dois importantes simpósios sobre este tema. O Papa Francisco recomenda duas atitudes: o profissionalismo antes de tudo, ou seja, devemos ser competentes, a economia é uma ciência, a administração é uma ciência; e além disso, voltar aos valores do Evangelho.
Vossa Eminência mencionou anteriormente que, além da crise vocacional, há também, e talvez sobretudo, o problema do abandono. Quais são geralmente as razões que levam as religiosas a deixar o convento?
Certamente o contexto cultural atual, no qual é difícil assumir uma responsabilidade para toda a vida, tem uma grande influência. Isto é verdade, mas as razões são várias: problemas emocionais, histórias pessoais cheias de feridas. Muitas vezes a formação inicial é muito bonita, depois em comparação com a vida da comunidade na qual a religiosa se encontra a viver é decepcionante. As razões são diversas. Mas acima de tudo, precisamos de mudar vigorosamente a formação. Deve ser personalizada e cuidada ao longo da vida, isto é, criar a consciência de estar sempre em formação num contexto de fraternidade.
Talvez as religiosas estejam decepcionadas porque realizam um trabalho humilde, com tarefas administrativas tediosas ou que não correspondem à formação que receberam.
Aqui também há o problema do abuso de autoridade. Como diz o Papa, quando a autoridade é interpretada como poder e não como serviço, pode-se chegar a situações dolorosas. Penso que as pessoas que desempenham papéis de liderança também devem aprender a partilhar a vida e todas as necessidades com a comunidade: cozinhar, limpar... Sendo contudo respeitadas no seu papel de serviço de autoridade.
Do seu ponto de vista, existe um abuso de poder que diz respeito também as mulheres?
As mulheres consagradas às vezes têm um poder extraordinário em algumas congregações. Tivemos casos, não muitos felizmente, de superioras-gerais que, uma vez eleitas, nunca cederam o lugar. Contornaram todas as regras. Houve uma que até quis mudar as constituições para permanecer superiora-geral até à morte. E nas comunidades há religiosas que tendem a obedecer cegamente, sem dizer o que pensam. Muitas vezes têm medo, no caso das mulheres ainda mais, têm medo da superiora. Na verdadeira obediência, pelo contrário, é necessário dizer o que o Senhor sugere no íntimo, com coragem e verdade, para oferecer ao superior mais luz para decidir. E depois obedecer, como Jesus fez.
Em relação ao abandono, imagino que uma religiosa que decide deixar o convento vive um momento de crise muito forte, traumático. Faz-se o suficiente para a ajudar?
Normalmente, sim, mas ainda é pouco. Às vezes, ficam completamente abandonadas. Mas as situações estão a mudar. O caso mais significativo é precisamente a decisão do Papa de criar em Roma uma casa para acolher algumas religiosas mandatas embora por nós ou por superioras, especialmente se são estrangeiras.
Mas esta casa em Roma é uma realidade conhecida?
Sim, mas está no início. O nosso Dicastério está concernido para apoiar esta casa. O gesto do Papa Francisco foi maravilhoso. Visitei estas ex-religiosas. Lá encontrei um mundo de feridas, mas também de esperança. Há casos muito difíceis, em que as superioras retiveram os documentos das religiosas que queriam deixar o convento, ou que foram mandadas embora. Estas pessoas entraram no convento como freiras e encontram-se nestas condições. Houve até alguns casos de prostituição para se poderem sustentar. Trata-se de ex-freiras! As irmãs scalabrinianas assumiram o cuidado deste pequeno grupo. Mas alguns casos são realmente difíceis, porque estamos a lidar com pessoas feridas com as quais é preciso reconstruir a confiança. Devemos mudar a atitude de rejeição, a tentação de ignorar estas pessoas, de dizer “o problema já não é nosso”. E muitas vezes estas ex-irmãs não são acompanhadas de forma alguma, nem uma palavra é dita para as ajudar... tudo isto deve mudar absolutamente.
O que pode dizer sobre a vida contemplativa das mulheres?
Na Europa, há um declínio muito grande. Há vocações, mas poucas. Muitos mosteiros permanecem vazios, não se sabe o que fazer, muitos bens são perdidos. A idade média das religiosas na Europa é muito alta! Nos próximos anos, pensamos que a vida contemplativa possa diminuir de 50%. O Santo Padre quis que fossem tomadas medidas para lutar contra o isolamento, para criar relações mais fraternas, para encorajar o testemunho e a fidelidade ao carisma e às constituições... Mas as estruturas são complexas e a mudança é lenta. E pensar que a vida contemplativa é um dos sinais mais bonitos de vida cristã consagrada.
Na Igreja, como ainda em vários setores da sociedade, as mulheres desempenham funções subordinadas. Por que, por exemplo, as religiosas que trabalham em hospitais são quase sempre enfermeiras, raramente são médicas? Não acha que às vezes a formação das religiosas é um pouco negligenciada?
Não só isso. É uma visão que precisa de ser superada. Infelizmente, em algumas ordens, as constituições colocam as mulheres a um nível inferior ao dos homens. A relação não pode ser de submissão nem de comando. Deve ser de igual dignidade na diversidade.
Mas, concretamente, o que pode ser feito? Estão a ser feitos progressos?
Muitos. É suficiente ver o caminho extraordinário feito pela UISG, União internacional das superioras-gerais. Em muitos aspetos, as mulheres são mais empreendedoras do que os homens, porque são mais concretas.
Mas também é verdade que o poder na Igreja permanece ligado ao sacramento da ordem.
Isto tem de ser alterado. O Papa Francisco disse que há um equívoco, um desentendimento. No caso do sacramento da ordem, potestade e poder são confundidos. A potestade do sacramento da ordem é um serviço e não um poder que facilmente leva a uma atitude de dominação. O processo de decisão deve ser feito em comum, caminhando juntos. Em muitos âmbitos, as mulheres já ocupam cargos de responsabilidade e decisão. Mas ainda é muito pouco.
Um tema doloroso: o abuso sexual sofrido pelas religiosas por parte dos sacerdotes. O Dicastério que dirige está a ocupar-se deste drama?
Sim. Recebemos relatórios de casos, devemos examiná-los. E há outro aspeto que nos surpreende: começam a surgir casos de abuso sexual entre religiosas. Por exemplo, entre a formadora e a pessoa em formação. Numa congregação foram relatados nove casos. Este fenómeno relativo à esfera feminina permaneceu mais escondido. Mas vem à tona. Tem que vir à tona. Muitas vezes a maturidade no campo emocional e sexual é fraca, é relativa. Se surgirem acusações, nós acolhemo-las e começamos a discernir. Muitas coisas são verdadeiras, muitas não são, mas não escondemos o problema. O Papa pede-nos transparência total.
Portanto recebeis denúncias de abusos sexuais e abusos de poder.
Ah, sim. São âmbitos onde devemos chegar hoje com a força do Evangelho. Quero dizer: uma cultura que nos conduziu a estes desvios deve desaparecer, devemos voltar para o testemunho.
Então, há esperança?
Muitíssima. Hoje na Igreja há mais abertura do que fechamento. Depois, há os que nunca desistem.
Concluamos com uma nota positiva. Muitas religiosas estão engajadas, também hoje, nos muitos âmbitos difíceis das missões e dos serviços de assistência.
Sim, as mulheres estão presentes em muitas frentes, por exemplo, em lugares onde se põe a vida em risco, onde se é desprezado. As mulheres consagradas são muito corajosas, muito audazes, talvez pela força da maternidade. E o Papa Francisco diz-nos que não as devemos perder.
Romilda Ferrauto