Hoje na Amazônia é possível alcançar «um equilíbrio entre o conhecimento tradicional e a ciência e a tecnologia moderna», de maneira a oferecer ao mundo um modelo econômico capaz de conciliar desenvolvimento e defesa da floresta. Está convencido disto o cientista brasileiro Carlos Afonso Nobre, prêmio Nobel da paz em 2007 e membro da Comissão de ciências ambientais do conselho nacional de desenvolvimento científico e tecnológico (Cnpq), que participa no Sínodo para a região pan-amazônica como convidado especial. Nesta entrevista a «L'Osservatore Romano» o cientista explica o seu ponto de vista, aprofundando algumas ideias já expostas durante o discurso que tinha proferido na tarde de 8 de outubro, diante da assembleia sinodal.
O senhor tomou a palavra na Assembleia sinodal para a região pan-amazônica e no seu breve discurso recordou que a Amazônia — descrita não como “pulmão do planeta”, mas como “coração biológico” da Terra — está ameaçada de maneira crônica, e no entanto a ganância do lucro por parte do homem não parece conhecer limites. Na sua opinião, é possível conciliar a floresta com a agricultura (“agrofloresta”), sem comprometer para sempre a fertilidade do território?
Sim, é possível. Se tivermos em consideração os 11 mil anos da presença humana na Amazônia, vemos que ao longo do tempo todos os povos indígenas desenvolveram uma forma de recurso aos produtos da floresta, sem nunca a destruir. Pode-se dizer que eles “antropizaram” a floresta. Hoje, a floresta tropical amazônica dispõe de milhares de produtos aos quais os indígenas recorrem, em maior quantidade do que no período precedente à presença humana no seu território. E a floresta continua a existir sem a extinção de qualquer espécie. Disto podemos aprender uma lição para melhorar a qualidade de vida também de outros povos, não só dos indígenas e das populações tradicionais. A ciência moderna desenvolveu sistemas chamados agroecológicos, para fazer com que as florestas tenham maior densidade de algumas espécies, aumentando assim o seu valor econômico. Estas agroflorestas já começaram a proporcionar um maior bem-estar para as famílias que promovem a agricultura a nível local. Por exemplo, há sistemas que produzem açaí, castanha, cacau e babaçu. Contudo, não obstante estas famílias tenham melhorado a sua vida, ainda não conseguem um rendimento suficiente para alcançar a classe média. Estes sistemas são economicamente muito mais viáveis do que o seriam se a floresta fosse substituída pela pecuária ou pela agricultura da soja, e até mais rentáveis do que a própria mineração. No entanto, temos que dar o próximo salto, ou seja, levar a ciência moderna a fazer com que estes produtos da floresta adquiram maior valor. Além disso, existem milhares de produtos da floresta que não são consumidos nos mercados fora da Amazônia e que realmente poderiam agregar um valor muito maior à economia destas famílias, até mesmo com o extrativismo. Este é um modelo de desenvolvimento totalmente viável, com as ferramentas de que hoje dispomos, também porque promove um equilíbrio entre o conhecimento tradicional e a ciência e a tecnologia moderna.
Referindo-se à “quarta revolução industrial”, o senhor afirmou que as tecnologias avançadas podem dar uma contribuição para proteger este e outros ecossistemas do planeta. Como a ciência pode intervir concretamente para debelar a ameaça que incumbe sobre essa região?
As tecnologias da “quarta revolução industrial”, do século xxi, já estão dominando o mundo e podem ser aplicadas, pois são amigáveis, duráveis e baratas, ao alcance de qualquer pessoa, e podem chegar ao centro da floresta, tornando realizável a exploração sustentável de produtos da floresta “em pé”, e tornar as populações amazônicas independentes da tecnocracia. Elas agregarão valor aos produtos das comunidades e proporcionarão melhor qualidade de vida às comunidades.
De que maneira os governos dos países amazônicos podem agir conjuntamente, ancorados na lei, para salvaguardar os povos indígenas, levando-os a assumir uma participação mais ativa na construção da sua própria história?
Há uma necessidade muito urgente da democracia, que deve ser implementada nos países amazônicos. Todos os países amazônicos sofrem criticamente devido à falta de uma verdadeira democracia. As nossas democracias são realmente imperfeitas, dado que a população elege em boa-fé os seus governantes, os quais depois nem sempre a representam. Mais de 80 por cento dos políticos destes países parecem buscar em primeiro lugar os seus interesses econômicos, inclusive aqueles que se escondem por trás da destruição da floresta.
A seu ver o “desenvolvimento sustentável”, um conceito às vezes abusado, pode representar uma solução viável em vista do bem-estar daquelas populações, sem as fazer perder a riqueza das próprias culturas e tradições?
Um elemento essencial do desenvolvimento sustentável é a união entre o benefício econômico e a manutenção dos serviços ecossistêmicos da floresta, o que representa a própria existência da floresta. A busca deste equilíbrio é possível e desejável, e este é o caminho que temos de percorrer na Amazônia.
Para o Papa Francisco, especialmente na “Laudato si’”, tudo está interligado, e se a visão integrada “Deus-homem-mundo” não for devidamente respeitada, a criação poderá perder para sempre a sua beleza original. Como representante da comunidade científica internacional, o senhor está de acordo com esta visão?
A visão da casa comum tem uma força muito grande, emblemática, simbólica, e hoje podemos ver os enormes riscos que corre a casa comum amazônica. Por isso, é deveras importante uma visão holística, como a do Papa Francisco, uma cosmovisão, pois devemos ter a noção de que se hoje não cuidarmos da Amazônia para ela não haverá um futuro.
Em 2007 o senhor foi laureado com o prêmio Nobel da paz, por ter ajudado a “disseminar conhecimentos sobre as mudanças climáticas provocadas pelo homem”. Qual é o denominador comum entre a paz e o meio ambiente?
Existe uma ligação muito clara entre a paz e o meio ambiente. Por exemplo, vemos que a urbanização no mundo continua a gerar uma pobreza incrível, sobretudo nas grandes cidades dos países em desenvolvimento, também na região amazônica. Esta perturbação que trouxemos às grandes cidades causa uma perda da qualidade de vida e portanto da felicidade, e isto tem provocado desequilíbrios enormes, como por exemplo o crime e a violência, levando a criar um tecido urbano onde a ausência da paz é palpável.
Sérgio Suchodolak